Saia Justa Profissional

Alguns profissionais do décor chegam a passar por casos desagradáveis em que clientes se intitulam donos de seus projetos. Saiba como driblar essa situação

Existem momentos na carreira dos profissionais do décor que é preciso saber contornar algumas saias justas causadas por clientes. Um destes é como lidar com pessoas que se auto intitulam donos das ideias e projetos feitos por arquitetos e designers ao mostrar o bom resultado para parentes e amigos.

Seja por vaidade ou até mesmo desonestidade, infelizmente, estes casos são comuns de acontecer. Como foi com a arquiteta Carmen Calixto, que foi à uma festa na casa de seu cliente, reformada por ela, e ao ouvir os elogios dos convidados, ele se intitulava como autor das ideias e de todas as mudanças que ocorreram no local.

“O cliente recebia todos os elogios e respondia coisas do tipo ‘aqui resolvi quebrar essa parede e integrar’, ou ‘aqui eu quis colocar essa bancada’ e outras frases que passavam a impressão de que as ideias que propus no projeto tinham sido dele. Em momento algum ele citou meu nome e agia como se tivesse reformado a casa sozinho, sendo que eu estava presente no local”, conta.

Carmen se sentiu desconfortável com a situação, principalmente por estar presente na festa, presenciando tudo e ouvindo ele se exibir com ideias que eram dela. Porém, a arquiteta relata que não vê este caso como um problema.

“Fiquei só observando, pois acho que seria extremamente deselegante da minha partir interferir no assunto e dizer que as ideias tinham sido minhas. Como lidamos muito com pessoas, muitas vezes teremos que contornar situações desagradáveis como essa, sem deixar que isso nos abale”, afirma Carmen Calixto.

A designer de interiores Melina Mundim também passou por esta situação. Uma cliente, bastante participativa, se envolveu muito durante a execução do projeto e, com isso, dizia para todos que as ideias eram dela.

“Por ela ser artista plástica, eu utilizei bastante dos dotes dela para personificar várias coisas, então, dessa maneira, ela começou a falar para todo mundo que ela que estava fazendo a casa dela. Era até cômico. Eu dava as ideias, ela gostava e começava a falar que ela que tinha pensado, já que era muito próximo das coisas que ela gostava. Por exemplo, fomos a um antiquário para comprar a mesa e as cadeiras para a sala de jantar. Em princípio eu achei muito pesada o modelo que ela gostou, mas vi que tinha potencial se alterássemos algumas coisas. Dei a ideia de pintar as cadeiras e trocar os estofados e, por ser artista, sugeri que ela mesma fizesse isso. Escolhi a cor e o tecido e entreguei a ela. Depois disso, ela começou a dizer que foi ideia dela. Isso aconteceu em todos os processos do apartamento”, cita.

Melina acabou levando tudo pelo lado cômico da situação, pois como era um projeto que estava gostando de fazer por ter liberdade de criação, se divertida mais do que se ofendia. A designer ressalta, também, que a cliente nunca fazia nada sozinha e sempre recorria a ela para tudo então, no fim das contas, ela não se incomodava na verdade.

“Aos poucos acho que ela mesma percebeu o que estava fazendo e foi parando de falar, ainda mais quando o projeto foi publicado num livro. Ela ficou feliz e acabou entendendo que sozinha ela nunca teria feito todas aquelas modificações. Assim, mais confiante de que eu realmente entendia o gosto dela, quando fomos decorar os quartos ela nem deu mais palpite. Deixou-me trabalhar sozinha, pois sabia que o resultado seria o esperado por ela. Talvez, se eu tivesse brigado ou reagido de forma agressiva ela não tivesse nem me deixado finalizar o projeto”, lembra Melina Mundim.

Para a psicóloga Sônia Eustáquia, no fundo, a maioria dos seres humanos se idealizam de forma melhor do que são na realidade e possuem um ‘ideal de ego’, que caracteriza, segundo Freud, uma representação de si, que procura concordar com as representações idealizadas pelos pais, pessoas admiradas, projetos ou atividades valorizadas.

“Por um lado, o cliente pode agir assim por vaidade, porque ele sempre vai dizer que a ideia é dele quando a outra pessoa gostar e, caso a pessoa demonstre que não gostou ou fizer alguma crítica, ele vai dizer que o projeto é deste ou daquele profissional. Por outro lado, a iniciativa de mentir que a ideia é dele passa pela desonestidade de qualquer mentira. Existem pessoas que não percebem o tanto que mentem e fazem isso sem necessidade alguma, simplesmente para ‘arrancar’ alguns elogios do outro”, explica.

Cabem ao arquiteto ou designer saber lidar com este tipo de situação sem correr riscos profissionais futuros. Segundo Sônia Eustáquia, se o profissional desmentir ou tentar convencê-lo que a ideia foi dos dois, o cliente pode ficar muito constrangido ou pode ficar com raiva e nunca mais contratá-lo. Existe também a hipóteses do profissional se sentir tão seguro em relação à sua obra e realmente não se importar que suas ideias sejam delegadas a outra pessoa. “O trabalho do arquiteto ou designer é muito concreto para se sujeitar à subjetividade de seu cliente e é por isso que ele se importa tanto quando o cliente quer roubar as suas ideias”, frisa a psicóloga.

Sônia sugere aos profissionais algumas dicas para que não aconteçam essas saias justas em relação aos seus projetos e os clientes e que o trabalho possa fluir com harmonia e respeito:

“O profissional pode deixar claro para o seu cliente os papeis éticos da relação de trabalho, direitos e deveres entre eles. Podemos chamar essa parte de ‘regras de ótima convivência para alcançar os objetivos do trabalho’. Pode ser por escrito em época de contrato e pode ser lembrado sempre. É preciso evitar tornar-se amigo íntimo do cliente. Lembrar sempre que a relação é profissional. Ou seja, não faça de seu cliente o seu melhor amigo. O profissional deve evitar entrar nas demandas pessoais do cliente e não permitir que ele abuse com excessos de telefonemas, whatsapp e e-mails. É muito importante falar sempre, quantas vezes se fizer necessário, que você faz questão de ser citado como o profissional responsável. Não tenha medo de perder o cliente, seja você mesmo!”, encerra Sônia Eustáquia.

 

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