No momento, o homem sofre o impacto da maior participação das mulheres no mercado de trabalho dos avanços tecnológicos e das relações modernas da paternidade. Deixou de ser mero assistente para assumir as crianças, novas tarefas em casa e na relação com a mulher. Quais são seus desejos, angústias, dúvidas e certezas? Ele se sente confortável diante das mudanças femininas ou vive numa encruzilhada? Solteiros ou casados, eles se propõem a pensar, a agir, a evoluir e a descobrir a nova face da masculinidade contemporânea com responsabilidade e sensibilidade.
O homem vem quebrando tabus e colocando fim aos estereótipos. Como estão os seus questionamentos existenciais? Como o homem contemporâneo tem se traduzido?
Como uma pessoa sensível e receptiva às mudanças. Eu fico pensando que dentro de cada homem machão e “troglodita” do passado já existia um homem com muita vontade de ser mais parecido com a mulher no quesito de sensibilidade. Freud falou muito sobre a distinção entre o feminino e o masculino e hoje nós podemos perceber que é conceituado por “falo”, como sendo do sexo masculino, está mais liquefeito e também inserido no feminino. Hoje o homem chora no cinema, ouve tudo que a mulher tem a dizer, cuida da barba e do cabelo, cozinha, divide as tarefas de casa, toma conta dos filhos e tem certeza de que, ao decidir ser sensível, nada interferiu na sua virilidade. Então, na realidade, quem faz sucesso no século 21 é o homem que não precisa dominar, competir ou mostrar que é uma fortaleza ou aquele que tem um “falo forte”. Ele sabe que a escolha mais inteligente é aquela que prima pelo respeito e companheirismo em uma relação e por isso pode se sentir seguro.
Tem sido tranquilo para o homem processar essas mudanças? Ele tem mudado espontaneamente ou tem feito muito esforço?
Ele tem se esforçado muito principalmente porque é bem mais vaidoso que a mulher, seja ele um rústico, um modelo, ou um artista ele quer ser um vencedor. Por se encontrar sem um “manual”, pode-se dizer que está em crise, uma vez que, não tem encontrado novos modelos para descrever sua condição masculina, anda meio perdido, porque precisa, ao mesmo tempo, ser sensível e másculo, se cuidar e ter um ar desleixado, o que é complicado. Quer descobrir “o que quer uma mulher” como nos tempos passados, e faz tudo para seduzi-la e agradá-la. Sabe que não pode ser só viril, mas determinado porque a mulher não quer força, quer firmeza. Sabe também que a mulher não perdoa o homem sem coragem, tem de ter iniciativa. Ao mesmo tempo, tem de saber respeitar e dar espaço para o feminino, a delicadeza, a sensibilidade e dar tempo para falar e ouvir. Sabe que ela quer o homem meio-termo, que tem capacidade para ser louco e sereno. A verdade é que esse sentimento no homem de “como devo agir?” ou “o que fazer agora?”, tem lhe exigido inteligência, humildade e perseverança.
As transformações no comportamento do homem se deram principalmente pelas mudanças na condição feminina com o seu ingresso no mercado de trabalho. O que mudou no universo profissional para eles agora que elas vêm conquistando mais espaço?
Os homens têm procurado se adequar principalmente com a crescente proximidade das mulheres no mesmo ambiente competitivo onde elas se tornam pares, líderes ou membros de sua equipe. Para isso é necessário que ele reaprenda a liderar ou a ser liderado por elas. Para muitos isso é simples, mas para outros pode ser traduzido em sofrimento.
Podemos dizer que está surgindo um novo homem?
O homem contemporâneo é o mesmo homem só que com novos papéis e novas responsabilidades. Acho que os homens estão se libertando de comportamentos e sentimentos que possivelmente não gostavam por deixá-los de fora do universo social e familiar, principalmente com os filhos. Não os vejo sofrendo porque fazem serviços domésticos ou buscam filhos na escola, nem mesmo quando percebem que podem cuidar de si mesmos e vão a barbearias atraentes ou butiques especializadas. Antes, o homem não tinha direito à emoção e tinha que ser racional em tudo, mesmo sem querer. Ele não podia deixar o lado emocional transparecer, porque isso era sinônimo de fraqueza. O crescimento da mulher e sua inserção no mercado de trabalho, abriu um excelente espaço para eles. A vaidade do homem chefe de família passou a ser questionada, assim como suas certezas e convicções. A grande questão é a ligação com a emoção, já que sempre tenta encontrar argumentos racionais e esquecer o afeto dentro do “modelo” antigo ou aprendido com a família de origem e a sociedade.
Mais do que geração, o perfil do homem contemporâneo tem a ver com as transformações da sociedade, as mudanças do mundo e as modificações do comportamento da mulher, não é mesmo?
Todas as mudanças pessoais e principalmente de um grupo, tem a ver com as mudanças socioculturais num todo. Se pensarmos bem, muitas dessas mudanças começaram com as sufragistas, o que provocou uma grande transformação no mundo ocidental. A partir daí a mulher foi se empoderando do seu direito a igualdade e ambos tiveram que se misturar em seus papéis sociais. É claro que ainda vemos “homens mais velhos” presos em atitudes e pensamentos ortodoxos.
A mulher soube evoluir melhor? O homem está encontrando dificuldade em traduzir o novo papel em comportamento?
Muitos ainda estão sem saída mas a receita é simples: o homem pode praticar “o amor-comportamento” que corresponde em entender, abrir mão, raciocinar, tolerar e principalmente dialogar. O amor pode ser dito, falado ou pode ser traduzido em atitudes amorosas. A mulher busca no homem de hoje alguém que a apoie e a entenda na sua caminhada na busca da independência emocional, ainda que pareça incoerente e absurdo. E se ele entender isso como crescimento pessoal e não se colocar no lugar de competidor, tudo dará certo e no final, e assim teremos homens e mulheres parceiros e cooperativos. Sem sofrimentos, simples assim. Os homens podem ficar calmos porque as mudanças estão acontecendo de forma gradativa, como tem que ser mesmo. Estamos em um momento de transição e não de metamorfose completa.
Como essas mudanças se refletem no relacionamento a dois?
Como sempre, a subjetividade vem em primeiro lugar e é por isso que dependera muito de cada um, de sua formação, crença, preconceito e experiências. Caso sejam mais resistentes a este novo cenário a tendência é que a mudança impeça o relacionamento saudável e produtivo entre eles, pois poderá haver conflitos que tirem o foco e a energia reservada para a produtividade do trabalho, lazer e educação dos filhos. O importante é saber que ambos ganham com as diferenças e aprendizados e tornam-se pessoas mais completas.
Os homens de hoje se sentem intimidados diante das mulheres? Ou continuam sendo o sexo forte?
Acredito que se sintam mais perdidos e inseguros sobre como agir, do que intimidados ou fracos, pois em sua criação pouco ou quase nada se falou ou foi ensinado sobre como lidar com a mulher nesse cenário novo. A mulher trabalhando até tarde, ganhando às vezes mais do que os maridos ou seus pares no trabalho, tomando decisões que interferem no papel deles dentro destas e de outras situações. Tudo isso é inusitado, o que causa dúvida para alguns deles sobre qual é o seu papel, uma vez que a mulher esta fazendo o dele. Quanto a ser sexo forte ou frágil, também esse conceito, está se liquefazendo e se misturando.
O que é ser homem no século XXI,? Qual o perfil do homem contemporâneo? O que é ser masculino hoje em dia ?
Creio que o homem contemporâneo esteja em processo de autodescoberta e o seu perfil se definindo dia dia no cenário do seu cotidiano, com suas colegas de trabalho, independentemente do cargo, e com suas esposas que desempenham esses papéis também. O homem do século XXI é aquele sem julgamento do que é certo e errado nesse aspecto e que sabe ser flexível e compreender que a mulher chega para ajudá-lo nesse contexto, e que a ajuda deve ser mútua. Creio que vem compreendendo o verdadeiro sentido de parceria e cumplicidade na família, na criação dos filhos, nas metas e nos objetivos profissionais, isso tudo sendo vivido num clima de amor paz, harmonia e momentos felizes.
É possível que a sexualidade masculina seja afetada? As disfunções sexuais nos homens têm aumentado?
O lugar do “falo” forte, ou seja, da lei, da força e do poder não pertence mais só ao sexo masculino, está diluído e compartilhado com o sexo feminino, por isso, a noção de “falo forte” da psicanálise dirigida ao homem encontra-se precária no mundo moderno. É possível que alguns se sintam muito afetados e inconscientemente desenvolvam disfunções, mas, a maioria de jovens sentem-se até mais confortáveis, sem o peso, obrigações e responsabilidades que envolvem a ideia de não poder falhar nunca, a de ter que estar pronto e viril 24 horas por dia. Creio que hoje é mais fácil ser do sexo masculino do que no passado.
Existe alguma atitude que os educadores devam adotar para contribuir para que essa transição ocorra sem conflitos?
Acho que já estão fazendo, na medida que há hoje mais tolerância para as constantes mudanças não só nos papéis de homem e mulher, mas também no combate ao preconceito em relação às questões de gênero. Essa nova construção da masculinidade é um caminho sem volta, só nos resta seguir em frente e olhar o passado só pelo retrovisor. Quando uma família tem um lar sereno, igualitário e justo, educa filhos generosos, tolerantes e virtuosos; o exemplo é o elemento primordial para a educação. Quanto as instituições educacionais, elas podem abrir a temática para discussão, caso haja necessidade. Os resultados são sempre muito bons quando há diálogo.
Entrevista da minha coluna na Rádio Inconfidência no Programa Revista da Tarde, quadro Amor e sexo, no dia 05 de junho de 2018.