13 de janeiro de 2015 – Sexualidade e estresse pós- traumático
Entrevista concedida à Radio Inconfidência no quadro “Amor e Sexo” do Revista da Tarde.
É inominável o acontecido em Paris essa semana que passou. A violência não pode ser praticada como pretexto de nada nesse mundo, muito menos para calar os meios de comunicação. O crime escandalizou o mundo inteiro e até mesmo os da religião Islâmica e que não são fundamentalistas. Como fica agora o povo da França? Como ficam os Cartunistas do mundo inteiro? Instaurado o medo quais seriam as mudanças psicológicas no povo? O evento estressante vai afetar a vida sexual dos Parisienses?
1 – O que pode acontecer a uma pessoa ou a uma população depois de eventos estressantes e de natureza excepcionalmente ameaçadora?
É o que chamamos de transtorno de estresse pós-traumático. É um distúrbio da ansiedade causado pela exposição a uma situação traumática avassaladora. No cid 10 está sob o número F43.1 – Ele surge como uma resposta a eventos com esse, por exemplo. Pode ter curta ou longa duração. Causa uma angústia invasiva em quase todas as pessoas. A intensidade dos sintomas vai depender da história de cada um, ou seja, da estrutura de personalidade de cada uma dessas pessoas. Os sintomas típicos incluem episódios de repetidas revivncias do trauma sob a forma de memórias intrusas (flashbacks) ou sonhos. Sensações de entorpecimento e embotamento emocional, afastamento de outras pessoas e os quadros de ansiedade e depressão também podem ser frequentes.
2 – A depressão e a indignação coletiva causada por causa de um evento como esse, pode afetar a sexualidade dessas pessoas?
Sim, claro. A depressão e ansiedade afetam de maneira insistente o desejo sexual e a perda de desejo sexual impossibilita o desejo, a excitação e o orgasmo, tornando a iniciação da atividade sexual menos provável. Um episódio depressivo causa perda de prazer não só sexual, mas de quase tudo na vida. A energia fica diminuída e a sensação de fadiga aumenta. Há um cansaço marcante após esforços considerados leves e comuns, sem contar com a redução da autoestima e autoconfiança. As pessoas são acometidas por um sentimento de pessimismo, a ter sono perturbado e falta de apetite. Outros sintomas que afetam direta ou indiretamente a sexualidade da pessoa também podem aparecer.
3 – Os homens são mais afetados com o estresse pós- traumático ou as mulheres? O que as pesquisas apontam?
Existe algumas pesquisas sobre estresse pós traumático, porém muito poucas relativas a eventos de terrorismos. Temos mais estudos de casos do que pesquisas envolvendo uma amostra maior. Existe uma pesquisa do Instituto Nacional de Comorbidade que estima a prevalência de estresse pós-traumático em 8% da população geral e é mais prevalente nas mulheres. Como não há estudo específico de estresse pós traumático depois de eventos terrorista com esse, eu penso que as mulheres estão em maior número nessa pesquisa por serem muito sensíveis e estarem dentro de uma outra estatística que aborda abuso sexual contara elas. Talvez seja por isso, que as pesquisas mostram um maior número de mulheres com o quadro de transtorno pós-traumático.
4 – Quais as sequelas mais comuns na sexualidade de uma pessoa, depois de um quadro de estresse pós-traumático?
É muito variado. Podemos dizer que é o desejo, e que uma vez atingido, vai comprometendo as outras funções sexuais. Tudo isso pode atingir homens e mulheres tanto na falha de resposta genital no homem que é representada pela disfunção erétil, quanto na mulher que é representado pelo ressecamento vaginal ou a falha na lubrificação. Em alguns casos, as primeiras fases da relação se concretiza, mas, há dificuldade na resposta orgástica, o que é mais comum nas mulheres do que em homens. Nos homens ainda pode ocorrer a ejaculação precoce, e nas mulheres a dispareunia ou dor durante a relação.
5 – É possível uma pessoa ficar com o trauma incubado por muito tempo depois de um evento como esse? Quanto tempo leva para os sintomas aparecerem? Eles estarão sempre ligados à sexualidade?
Sim, o trauma pode ficar incubado; porque a natureza privilegia o combate e se nos tornamos incapazes de combater o sentimento de medo e desproteção procura outra saída e a única encontrada pode ser a de se esconder.
Quando sofremos algum tipo de agressão é natural e normal que o nosso organismo nos coloque em posição de defesa ou combate. E nesse evento, em particular, vimos acontecer uma mobilização de pessoas, em marchas pela paz e movimentos voltados para a liberdade de expressão, e de solidariedade com os parentes das vítimas; como uma forma de reação ao estresse pós-traumático. Essas ações são importantes para o ser humano; ele tem que ter um lugar para chorar e falar de sua indignação e assim não deixar incubado um sentimento ruim e que pode produzir sintomas no momento ou posteriormente.
Naquele evento de 11 de setembro nos Estados Unidos, com as torres gêmeas, aconteceu com o povo americano, desde a reação instantânea de angustia pelas perdas das pessoas que ali foram vítimas, até a interiorização de sentimentos de ansiedade e angústia. Creio que até hoje há pessoas com sequelas dessas perdas ou do evento propriamente dito, efeitos do estresse pós traumático que vai da tristeza ou indignação pelo ocorrido, passando por sintomas de depressão e ansiedade e chegando às disfunções sexuais.
6 – Depois de um evento como esse, e instaurado um estresse pós-traumático coletivo, é comum uma maior busca de tratamento psicológico, principalmente na área da sexualidade? com queixas de disfunções
É sim. Aliás, se transforma em caso de saúde pública, onde o estado se coloca disponível com ajuda médica e psicológica e que em casos muito e graves se abre para receber ajuda de outros países. Normalmente vemos essa busca mais orientada para campos de maior urgência, como agora, o vírus do ebola. Pode parecer sofisticação ou fútilidade a nossa preocupação com a qualidade de vida sexual das pessoas enquanto o mundo enfrenta fome, o virus ebola, aids, etc. mesmo assim acho válido o alerta. Principalmente nesse caso em que se trata de terrorismo e com algo que custou muito caro a todas as nações, que a liberdade de expressão.
7 – E o inverso pode acontecer? Depois de uma situação dessas, uma pessoa pode querer fazer muito sexo, como se fosse algo gratificante para tirar a dor e o sofrimento?
Sim. E é até comum. O prazer sexual é um anestésico muito efetivo. Quem tem parceiros amorosos além de sexuais, geralmente fazem amor depois de momentos de tensão e dor. É normal, é como se quisessem unir forças pela via do prazer.
8 – O que o povo de Paris, ou outra pessoa qualquer pode fazer para minimizar os sintomas de um estresse pós-traumático?
Acho que já estamos fazendo; nesse momento falando do problema aqui, nas redes sociais e através das manifestações. Essas ações conjuntas e solidárias minimizam a dor e o medo. Creio que as pessoas de maneira geral passam a prestar mais atenção no próprio corpo e nas emoções, e certamente saberão pedir ajuda a profissionais, caso seja necessário. É preciso não ter preconceito da tristeza e se permitirem aos movimentos e é o que estão fazendo. O terrorismo além de fazer vítimas fatais, pode produzir a intimidação das pessoas. O medo é o pior companheiro que uma pessoa pode ter. Ele é necessário como proteção e não como ameaça. É comum também um consumo maior de álcool e drogas, e todos devem ficar atentos. O transtorno afeta a capacidade de reação a estímulos, podendo ocorrer também sintomas de hiper-reatividade. Às vezes, esses sintomas se manifestam passados meses ou até anos da data do evento traumático.
Subjetivamente, os estressores provocam um sentimento de medo intenso, de impotência e desamparo. Objetivamente, produz também grande variedade de sintomas, como dores de cabeça, síndrome do cólon irritável, fadiga e alterações autonômicas intensas associadas à ansiedade. Também podem apresentar estados dissociativos, que levam a pessoa a reviver as situações traumáticas sob a forma de flashbacks e pesadelos. Uma pequena proporção dos pacientes pode apresentar uma cronificação dos sintomas, que culmina na alteração permanente da personalidade.