A Liberdade do Amor

A Liberdade do Amor

Entrevista concedida à Rádio Inconfidencia no dia 22 de novembro de 2016 – Revista da tarde – Quadro Amor e Sexo

Da filosofia à religião, da literatura à poesia e à música, o amor está sempre presente sob as mais diversas formas de discursos e de pensamentos. O amor é o laço social e é a base de toda forma de relação: a da família, do namoro e da amizade. Do amor se fala, se conta, se canta e se encanta.

Vários poetas e cantores, incluindo Gilberto Gil cantam o amor. Na música  “O seu amor”, Gil faz uma proposta em amar com liberdade. Será que o amor deixa o outro livre para amar? Sônia Eustáquia, sexóloga, conversa conosco agora, sobre a Liberdade para amar.

 

1 – O amor aprisiona?  É possível amar livremente sem manter condições ao outro?  

Há na pulsão do amor uma proposta de liberdade, porque amar é bom, o estado de amor nos enche de energia para fazer o bem a quem amamos e a outras pessoas e coisas de maneira geral. Amar é estar em estado de graça e paz. Acontece que quase sempre queremos ser correspondidos, ser amados pela mesma pessoa que amamos, e se impomos essa condição, corremos o risco de sermos frustrados; e é por isso que amar bem, implica em dar liberdade ao outro. Na verdade, devemos amar e nos contentar apenas com a possibilidade de amar.

2 –  Como funciona um amor livre?

Vou responder com a letra da música “O seu Amor” do Gilberto Gil:

O seu amor / Ame-o e deixe-o /Livre para amar

O seu amor / Ame-o e deixe-o/ Ir aonde quiser

O seu amor/ Ame-o e deixe-o brincar/ Ame-o e deixe-o correr/ Ame-o e deixe-o cansar /

Ame-o e deixe-o dormir em paz

O seu amor / Ame-o e deixe-o/ Ser o que ele é.

3 – Podemos dizer que há várias formas de amor? O amor livre é aquele que não exige reciprocidade? Aquele que deixa o outro até mesmo afastar, caso a pessoa queira?

Existem várias expressões do sentimento de amor, mas, sempre será uma pulsão que se projeta no outro. Amar, pode significar fazer o bem à outra pessoa ou pode simplesmente ser um sentimento mais egoísta, voltado para si mesmo, com o propósito de se fazer bem. Por isso, amar o outro em liberdade, para mim, é a melhor forma de expressar o sentimento quando se trata de um relacionamento afetivo sexual. Ou seja, eliminar o conteúdo autoritário da relação e garantir a quem amamos a liberdade de amar além e apesar de nós e de nosso amor. É preciso amar mais a “possibilidade de amar” do que os nossos objetos de amor. Devemos assim, amar o nosso amor, independentemente de estar recebendo o amor do outro.

4 – Qual é a condição humana para sentir a liberdade no amor? Geralmente são as pessoas mais maduras que amam dessa forma?

Sei que a dificuldade para a realização plena do amor entre as pessoas não é um problema do amor em si, mas do ambiente social, dos preconceitos, do moralismo laico ou religioso, do autoritarismo, da luta de classes, dos interesses econômicos e políticos.

Acho lindo pensar no amor sob esta ótica, lembrando que não se trata de “libertinagem” e sim de liberdade. É bom pensar que o nosso amor pode estar cheio de vida e cor, ser voluntário e desejado. Livre de coerções morais, econômicas, políticas ou sociais. Como diz o Gilberto Gil:  “O seu amor, ame-o e deixe-o ir aonde quiser”.

Pode ser que haja algo ligado a maturidade da pessoa, entretanto, penso que amar com liberdade é próprio das pessoas com boa saúde emocional.

5 – O que é o amor para a psicanálise? O que ela tem a dizer?

Freud, em um texto de sua enorme e incrível obra, diz que o amor é uma proteção contra o adoecer: “Num último recurso devemos começar a amar afim de não adoecermos, e estamos destinados a cair doente, em consequência da frustração se formos incapazes de amar” (FREUD 1914) e diz ainda: “Uma pequena minoria de pessoas acha-se capacitada, por sua constituição, a encontrar felicidade no caminho do amor”. (FREUD, 1914)

Resumindo: É muito saudável viver em estado de amor e que é a minoria de pessoas que têm condição de amar em liberdade; e quando isso acontece, a pessoa que ama, encontra a saúde e a felicidade.

6 – O amor é o tema central da existência humana. Falar do amor é falar da essência da vida?

Sentir amor é uma experiência singular, porque cada pessoa ama do jeito e modo que dá conta, a seu tempo. Recebemos esse legado de nossos ancestrais e continuamos fascinados por ele. Da filosofia à religião, da literatura à poesia e à música, o amor está sempre presente sob as mais diversas formas de discursos e de pensamentos. O amor é o laço social e a base de toda forma de relação, da família, do namoro e da amizade.  Em todos os tempos, em todos os lugares, em todos os povos, o amor está presente é um mistério humano. Quem não se deslumbra ao falar das riquesas do amor e do seu poder de transformação?

7 – O que é pior: amar sem ser amado ou ser amado e não poder amar?

É verdade, a não correspondência do amor é algo muito ruim, principalmente quando se trata do amor romântico. É ruim para quem não o recebe e o oferece; como também é muito ruim não o sentir quando a outra pessoa tem a expectativa dele. Bom mesmo, é amar com liberdade e ser amado também com liberdade. Longe dos apegos.

8 – Qual a diferença entre o amor na religião e o amor carnal?

Separar o amor em categorias pode representar uma tentativa didática, porque ele aparece misturado na maioria das vezes, em nossa vida prática.

Sabemos que o amor carnal é humano, sensual, erótico, voltado ao outro e busca sempre a realização do prazer, principalmente para o corpo. Há uma conjunção de corpo, mente, cultura e sociedade.

O amor divino, espiritual, visa à doação e à adoração. Santo Agostinho (1989) afirmou que o amor é um dom de Deus, e que é o amor de Deus que nos conduz a amar. É porque Deus nos ama que podemos amar a nós mesmos e aos outros. O amor é um dom divino, sendo todo o amor divino. Por isso propõe a ética do amor como a ética da liberdade, que pode ser resumida numa frase: “ama e faz o que quiser”.

9 – É possível amar alguém e não amar a sim mesmo?

As crianças amam em primeiro lugar a si próprias, e apenas mais tarde é que aprendem a amar os outros e a sacrificar algo de seu eu aos outros. As pessoas a quem uma criança parece amar desde o início, no começo da vida, só são amadas por ela porque a criança necessita delas e não pode dispensá-las – por motivos egoístas, mais uma vez. De certa forma é um amor utilitarista. Somente mais tarde o impulso de amar se torna independente do egoísmo. Na verdade, é o amor egoísta da criança que a ensina a amar na vida adulta.

Freud considera que as paixões são, na verdade, ecos das lembranças do amor infantil. É o amor vivido na tenra infância que rege a vida adulta de cada um. Dessa vivência que resulta o que cada um será no futuro.

10 – Na prática, é muito difícil amar e nos sentir livres, também é difícil soltar – deixar o outro em liberdade?

De certa forma o amor incomoda, porque queremos estar sempre juntos da pessoa amada para nos sentir completos, para suprir a nossa falta existencial, o que é impossível na vida prática. A ausência da pessoa amada pode significar, lá no fundo, a perda de um pedaço de nós mesmos.  O amor também pode nos remeter a um sentimento de insegurança e medo; uma ameaça de perda, e pôr em risco o próprio sossego. Assim, o amor não é tão libertador e apaziguador como poderia ser.

Um homem e uma mulher sentem-se atraídos e se entregam as opções de uma reciprocidade de amor sem saber qual é o conteúdo inconsciente que os move. A experiência do amor está intimamente ligada à experiência dos efeitos inconscientes. Os amantes no momento do amor, no tempo do amor, na situação de amor, na experiência ou prova de amor, não sabem o que lhes acontece, não sabem que estão a mercê de suas vivências afetivas da mais tenra infância.

Desse emaranhado surge a dificuldade em estar em estado de amor, sentir-se livre, e permitir a liberdade do outro ao mesmo tempo.

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