Fim de ano é hora de avaliar o que passou — as alegrias e decepções — e planejar as mudanças para o ano que vem por ai.
Mesmo com os atropelos dos novos episódios na economia mundial, o fim de ano nos remete a reflexões mais pessoais e fora desse contexto. Nessa ocasião, avaliar os acontecimentos em relação às nossas produções ou alienações, erros e acertos, alegrias ou decepções, parece acontecer com muita frequência entre as pessoas.
Se construirmos a cada ano um “megaprojeto” no qual a idealização e a fantasia se destacam das reais condições de realizá-lo, podemos nos deparar com uma soma de decepções e sensações de fracassos. Contudo, se fizermos um planejamento otimista e possível, certamente nosso balanço estará com saldo positivo ao findar o ano.
Conheci uma pessoa que nessa época revia a “listinha” de objetivos e idealizações feitos no ano anterior e ficava muito decepcionada consigo mesma. A sensação de incompetência e consequente desapontamento apareciam, atrapalhando sua alegria habitual. Isso porque na sua lista havia coisas impossíveis de serem realizadas. Pude observar que essa prática, que consiste tanto em fazer a lista no final do ano quanto a de se cobrar pelo não acontecido, pode trazer sérias consequências para a vida prática e emocional das pessoas.
Observando nossa trajetória, podemos detectar o inexorável comando do nosso inconsciente para uma compulsão de repetição. Condutas que gostaríamos de abandonar e que insistem em repetir, fazendo-nos sofrer muito; às vezes, nos levamos ao sentimento de culpa e de incompetência em gerir a própria vida. Essa angústia só cessará se partirmos para a reflexão ou um trabalho de análise.
Percebemos também que as mudanças que desejamos passam inicialmente pela parte cognitiva, numa vontade consciente de mudar e, assim, iniciamos um penoso investimento de energia em prol dessa transformação. Os exemplos mais comuns são: fumar, beber, hábitos alimentares, fazer atividade física, programa de estudos, mudança profissional, relacionamentos afetivos, atitudes inadequadas, cuidados pessoais, entre outros hábitos continuamente repetidos que desejamos que sejam diferentes no novo ano.
Sabemos também que a principal dificuldade que a mente encontra para processar com sucesso a mudança chama-se ganho secundário. Em meio aos prejuízos das condutas rejeitadas pela consciência, existe um tipo especial de “prazer”. De alguma forma, a mente inconsciente opta pela conduta indesejada, independentemente da vontade do sujeito. Está formado assim o conflito: o fenômeno que dificulta as reais mudanças e conclusões de projetos pessoais.
De uma coisa podemos ter certeza: somos capazes de lidar com o fracasso na vida profissional, amorosa ou financeira. Está dentro de nós a capacidade de superação, de dar a volta por cima após experiências negativas. Por isso não precisamos ter medo do novo ou de ousar. Mesmo quando não dá certo podemos tirar lições de aprendizado dos erros cometidos e das adversidades.
A maneira que cada pessoa lida com a dor no fracasso varia. Há pessoas que facilmente se responsabilizam pelos fatos; essas conseguem com mais facilidade encontrar a solução e assim superar. Outras colocam a responsabilidade do problema em fatores externos e aparentemente fora de controle; essas sucumbem e passam a desacreditar em si mesmas. Tudo vai depender do fator autoestima e da capacidade de discernimento. Mesmo quando fracassam, as pessoas que têm essas qualidades se equilibram e continuam acreditando em si mesmas.
Uma boa opção é rever o que queremos mudar no corpo físico, no emocional e nas relações interpessoais e, a partir daí, buscar iluminação no campo das virtudes.
Creio não ser possível ensinar as virtudes; mas acredito que é possível tentar compreender o que deveríamos fazer, ser e viver para sermos pessoas melhores, principalmente em nossas ações. André Comte-Sponville, em seu livro Pequeno tratado das grandes virtudes, inicia pela polidez e termina com o amor a sua descrição de aspectos de ajuda. Essa boa disposição, mesmo que intelectual, sem dúvida pode auxiliar nessa reflexão para mudanças e planos de final de ano.
Para Spinosa, é melhor ensinar as virtudes do que condenar os vícios. Virtude é poder, é excelência, é exigência. São nossos valores morais na prática de cada dia e de cada ato. Sempre singular, como nós mesmos, e sempre plurais, como as fraquezas que virtudes combatem ou corrigem. Em dias tão difíceis, marcados pela violência e especulação financeira, quase não se fala mais nas virtudes. Entretanto, isso não significa que não precisamos mais delas nem nos autoriza a renunciá-las.
Não se trata de dar lições de moral, mas de ajudar cada um a encontrar seus próprios potenciais internos e a fazer o melhor deles em favor de si mesmo e de outras pessoas. Creio que o verdadeiro sentido da vida está em ser uma pessoa de bem consigo mesma e, ao mesmo tempo, passar para o outro esse “estar bem”.
Uma ideia é iniciar os novos dias passando a limpo a disposição da polidez, verificando a possibilidade em ser mais educado, afável, civilizado e cortês; examinando a condição de fidelidade, na constância e lealdade; observando se se tem sido prudente, usando bons critérios, sendo ponderado, sensato e razoável; conferindo a coragem, virtude tão necessária para ousar, ter força, ânimo e bravura; processando a justiça, agindo com honestidade, integridade, retidão e probidade; acurando a generosidade nos atos de afabilidade, franqueza e de doação; averiguando a humilde, que é bem diferente de se humilhar e que abre portas para o conhecimento e crescimento; atentando-se para a tolerância, pureza e doçura; cuidando da temperança, que é a moderação, reserva e sobriedade; empenhando-se em ter mais compaixão e misericórdia pelos mais frágeis; polindo e regando a gratidão, reconhecendo as pessoas e seus atos de bondade; aprimorando a simplicidade na singeleza e brandura; tendo boa-fé, mostrando-se sempre sincero e confiante, até que o outro se desvende em contrário; e finalmente investindo no bom humor e na capacidade de amar.
Não existe um bem em si mesmo; ele é construído e conquistado.
UM ANO REALMENTE NOVO E BOM PARA TODOS NÓS!