Abandono no relacionamento amoroso – Dor, elaboração e superação
Porque é tão difícil superar o abandono no amor? Seja ele no casamento ou mesmo no namoro, o abandono sempre deixa o sentimento de fracasso. Se fizemos tudo para conservar a relação, ou pensamos que fazemos, porque esse sentimento? Porque sofremos tanto? Existe alguma fórmula mágica para evitar o sofrimento?
Nenhuma relação amorosa tem prazo de validade e todas terminam de maneira sofrida para os dois ou para um deles. Porque não nos prevenimos para a possibilidade do final de uma relação?
Porque a vida é imprevisível e também por não temos clareza sobre o tipo de amor que desejamos dar e receber. E se não aproveitamos o momento a dor da separação para avaliarmos isso, certamente vamos repetir o padrão. Ou mudamos a nós mesmos e em consequência o tipo de pessoa que trazemos para as nossas vidas ou sempre cometeremos os mesmos erros. Portanto, todo fim de relacionamento, embora seja penoso, deverá nos servir para uma reflexão do que queremos e o que não queremos para nossas vidas, incluindo a pessoa para vivermos juntos, ter filhos, enfrentar obstáculos, vencer conflitos e ser feliz.
A vida a dois pode se tornar mais fácil se conseguirmos exigir menos do outro e se formos mais realistas em nossas expectativas?
Buscamos no outro o que há de mais profundo em nosso ser pelo mecanismo da projeção, por isso é possível, que uma pessoa procure no parceiro o que lhe falta, ou o que gostaria de ter e ser. Creio que seja no desencontro dessa expectativa com a realidade do outro, a frustração tão comum e que geralmente deságua na separação. Podemos partir do pressuposto que ninguém sabe “ler mentes” e muito menos adivinhar quais são os desejos do outro o que vai na cabeça e no inconsciente do outro. E afinal, ninguém, por muito esforço que fizesse, consegue suprir as faltas e necessidades do outro.
Porque no início de um relacionamento, as pessoas reparam e ampliam tanto as qualidades do parceiro?
As relações humanas envolvem sentimentos diversos e entre eles a esperança no que é “bom” do outro, e no início de um relacionamento amoroso é comum as qualidades do parceiro serem amplificadas e até modificadas para melhor e só durante o transcorrer do mesmo, as características começarem a parecer indesejáveis. Inicialmente, tudo de bom está no outro e se espera também corrigir o “pequeno defeito” que possa haver através do amor. Em um segundo momento a pessoa renuncia à possibilidade de que o outro seja totalmente bom e se constata que os aspectos bons e maus são indissociáveis, é comum no início dos conflitos que o comportamento seja de imposição para que haja mudanças; ou seja, forçar o parceiro a cumprir um acordo inexistente e corresponder às fantasias idealizadas do início da relação.
Porque não nos preparamos para o término de uma relação amorosa mesmo quando ela está na fase de brigas e desentendimentos? As discussões, as famosas “Drs” servem como preparação para uma possível separação?
As discussões são tentativas de expressão do sofrimento de cada um sobre as divergências da relação ou a expressão do sofrimento de um dos cônjuges sobre suas próprias frustrações, medos e desejos mais intrínsecos e a busca de entendimento para o seu sofrimento. Só que isso não é claro; nem mesmo para quem está reivindicando; Ficando impossível de entendimento para outro, portanto.
Considerando essas formas de expressão eu não consigo perceber efetividade nessas discussões, elas são estéreis. E por isso elas não conseguem o objetivo que é de um entendimento nas divergências do casal. Eu creio plenamente na intervenção profissional em casais, porque só ela poderá fazer essa leitura e apontá-la para os dois. O casal poderá evoluir fazendo as suas buscas pessoais e paralelamente as que correspondem à relação, e daí buscar mudar as suas condutas.
Existem casais que diante de uma crise procura negá-la para evitar possíveis desilusões e até mesmo o rompimento. Muitos procuram desculpas como aquelas ligadas a filhos, a sociedade, as famílias de origem e até mesmo à religião. Porque isso acontece?
Alguns ideais que tiveram presentes na construção do laço conjugal foram atingidos e é por isso que o casal ficou vulnerável, isso é fato. Também se constata que algumas pessoas buscam desesperadamente manter o modelo funcional presente nas etapas precoces da vida, ou seja, têm medo do que é diferente do vivido pelos seus pais e avós. A verdade é que essas desculpas apenas encobre o que realmente passa com cada um dos cônjuges que é a incapacidade de fazer um rompimento e luto com o seu passado com os pais e partir para a sua própria vida, mais madura e independente. Nesse momento, fica em questão, a sua capacidade de ser amado e do seu próprio valor. O que resta é o ressentimento, o ódio pela perda das ilusões depositadas no casamento ou no parceiro o que sempre provoca o desejo de vingança e de aniquilar o outro.
É por causa desses sentimentos de insegurança e da dificuldade de construir a própria história que, muitas vezes, os pais podem prejudicar tanto a criança com o quadro de “alienação parental”?
Sim, muitas vezes por se sentirem traídos e humilhados, vemos ex-cônjuges, nutrindo sentimentos de vingança e alimentarem nos filhos reações de repulsa e ódio para com o outro pai. Nos tribunais, em ações de divórcio ou separação, tem sido comum encontrarmos um genitor tentando obstaculizar ou destruir os vínculos do(s) filho(s) com o outro genitor, inexistindo motivos reais que o justifiquem. Este quadro, denominado de “alienação parental”, exemplifica o que estamos falando hoje; as reações humanas diante a dor do abandono.
Como o cérebro reage a um término de relação? As pessoas relatam tanto sofrimento que é possível uma alteração nas funções cerebrais também?
Independentemente do tempo de relacionamento, um rompimento faz o cérebro passar por um processo que lembra a abstinência. Todas as lembranças da pessoa desencadeiam uma atividade de “recompensa” no interior do núcleo do cérebro que respondem às produzidas pela cocaína e nicotina. Por isso ela não que parar de lembrar. Neste novo contexto, o sistema de recompensa do cérebro vai motivar as atitudes precipitadas, como a de mandar mensagens e se sujeitar a situações ridículas. Estudos falam que a rejeição romântica é sentida pelo cérebro como desprazes mais do que outras formas de rejeição social. A rejeição romântica envolve sistemas que estão no mesmo nível que sentir fome ou sede.
Outras reações na mente e no corpo também são sentidas? As pessoas podem adoecer frente a uma situação de separação?
Há muita liberação de neurotransmissores que não fazem bem a saúde mental e por isso pode acontecer os quadros de ansiedade e muitos sintomas depressivos. Por causa da liberação de hormônios de estresse, o coração, o sistema digestivo e imunológico também sofrem. Em alguns casos extremos, o estresse pode fazer o coração enfraquecer, criando uma condição chamada de cardiomiopatia de takotsubo ou “síndrome do coração partido”, que, às vezes, pode levar à morte.
Existe mesmo a dor de amor? Todas as separações produzem dor?
Há muita variação de uma pessoa para outra, mas, os sentimentos dolorosos geralmente desaparecem entre cerca de seis meses a dois anos. A dor é uma parte natural do processo, mas se transforma em um sistema básico que auxilia em conexões significativas com outras pessoas. Esses sentimentos nos fazem trabalhar duro para vencer a dor.
E o esquecimento? É possível forçar o esquecimento? Como controlar os pensamentos?
É possível a pessoa abandonada e sofrida desejar não sofrer mais e utilizar todos os seus recursos conscientes e inconscientes a favor do esquecimento, equilíbrio e bem-estar. Esquecer demanda tempo e algumas vezes ajuda profissional. O tempo encarrega-se de colocar outras prioridades no fluxo de pensamento cotidiano e assim a dor do abandono vai ficando para trás.
Quais são os passos para superar a dor do abandono?
Se sabemos que temos que nos responsabilizar pela recuperação, temos que dar duro: Nunca deixar a cabeça desocupada. Estudar, trabalhar, praticar exercícios e se divertir é essencial para fazer o cérebro substituir as informações antigas que, consequentemente, causariam uma lembrança nostálgica. Por outro lado A ruptura de uma relação amorosa demanda um trabalho psíquico, a travessia de um processo de luto, no qual questões referentes à subjetividade de cada parceiro precisam ser elaboradas. É preciso que cada um assuma sua parte de responsabilidade na história que vinha sendo conjuntamente escrita. É necessário não culpabilizar a si e nem o outro a todo momento, porque nessa hora o importante é se responsabilizar pela melhora da dor. Outra coisa é começar a ver o mundo de maneira mais solta sem maniqueísmo: Compreender que nessa relação fracassada não existe o bom e o mau, o inocente e o culpado, a vítima e o algoz.
Entrevista concedida à Rádio Inconfidência em 23 de abril de 2018.
Programa Revista da Tarde, quadro Amor e Sexo.