Carnaval se aproximando e é hora de saber como fica o amor e o sexo em dias de folia. Há casais que combinam de se separarem nessa data para terem mais liberdade, e há outros que ficam juntos normalmente e ainda há aqueles que ficam “colados”; com medo de que alguma coisa especial e fora do controle, possa acontecer e atrapalhar a harmonia da relação. Quem conversa com a gente sobre o tema é a sexóloga Sônia Estáquia Fonseca.
1 – Quando o casal está em comum acordo, é bom para a relação que os dois se afastem durante o carnaval, para viverem experiências novas?
Eu conheço casais onde um adora se fantasiar, fazer parte de escola de samba e cair na farra e o outro que é mais pacato, prefere ficar em casa, curtir a televisão, o clube e os amigos. Nesse caso específico, é a 4ª. Feira de cinzas que os reúne novamente. Conheci um casal onde a mulher ia para o Rio, comprava fantasias caras para desfilar em Escola de samba e ele ficava aqui. Felizes da vida, estão juntos até hoje.
2 – Como funciona psicologicamente para algumas pessoas esse fascínio pelo carnaval – O movimento, a farra, as músicas? A maneira de viver a festa mais popular do pais, tem muito a ver com a cada pessoa?
Tem sim. O carnaval é uma festa que contamina pela alegria e irreverencia, principalmente se estiver livre de desfiles com avaliações e notas e que traz muita ansiedade. Eu percebo que é um momento coletivo de “soltar as frangas”, ou de se liberar. Nós precisamos disso, no sentido individual e coletivo. É mais ou menos o estado emocional de um estádio de futebol em jogo importante. Num baile de carnaval, em clube ou rua, somos convidados a liberar a euforia que existe dentro de nós. Existem pessoas que preferem não liberar dessa forma, mas, geralmente o faz de outra maneira.
3 – E o carnaval de rua, sair atrás de um trio elétrico, comprar um abadá, pode trazer algum benefício para a saúde emocional? faz bem ás pessoas?
Para quem gosta é uma maravilha. É muito comum a pessoa juntar dinheiro para fazer parte de trio elétrico na Bahia ou no Recife. As vezes é um dinheiro que ajudaria em muitas outras coisas da vida, mas, ela prioriza o carnaval e dizem que, “lavam a alma” naquele aglomerado de pessoas eufóricas pulando, dançando e cantando. Sentir-se feliz só faz bem para o corpo e para a cabeça.
4 – No Brasil, o Carnaval funciona como uma espécie de período de indulgência, onde muitas pessoas se permitem fazer o que reprimem e escondem no restante do ano. Essa sensação de “libertinagem”, para além da hipocrisia, é um problema?
Não seria um problema caso algumas pessoas não distorcessem as questões éticas de respeito ao ser humano. Existe uma cultura de que tudo é permitido no carnaval, inclusive o sexo e isso não é bom para as pessoas que optam pela festa. Fazer sexo sem compromisso, beijar várias pessoas no mesmo dia, dentre outros comportamentos, digamos, proibidos fora do carnaval pode se tornar uma rotina nessa época. Sexo, em todas as ocasiões tem que ser responsável, não dá para fazer do sexo uma festa de irreverencia e de descomprometimento.
Nos próximos dias, milhares de brasileiras terão de lidar com as sequelas do feriado, porque são muitos os casos relacionados a estupro e violência em meio as festas. O negativo não é fazer do carnaval uma oportunidade irreverencias sexuais, mas sim utilizar a liberdade sexual como uma máscara para abusar sexualmente.
5 – O carnaval também não é um palco ideal para distúrbios da sexualidade humana como a pedofilia e o abuso sexual?
Infelizmente sim. Os índices aumentam consideravelmente. As pessoas ficam mais desprotegidas, principalmente as crianças e jovens e, além disso, há o uso abusivo do álcool que rebaixa a censura. O mal estar da civilização nos papeis de abusadores sexuais sempre existiu, e que pode em meio a profusão de euforia, servir de cenário ideal para essa prática criminosa e repugnante.
6 – Continuando a falar das coisas ruins, para muitas pessoas, o carnaval será lembrado como o período em que, infelizmente, se contaminaram com o vírus da AIDS. Por que tanta gente ainda faz sexo sem preservativo?
A euforia rebaixa a censura e modifica o estado normal da consciência; é como se fosse uma hipnose coletiva; onde a indução hipnótica é o “prazer sem limites”. Incitada por essa “ordem coletiva” as pessoas mais impulsivas ou até mesmo mais reprimidas ficam mais propensas ao sexo inconsequente e impensado. Por isso é importante, se prevenir principalmente quanto ao álcool que é o principal condutor dessa hipnose coletiva. Repetir pode valer nesse momento: use camisinha, compre várias, deixe-as nos bolsos e bolsas. O aviso está valendo para as mulheres também. Elas podem e devem portar camisinhas.
7 – Eu queria que você falasse mais um pouco sobre a necessidade de se prevenir contra as doenças sexualmente transmissíveis.
É uma questão de saúde pública, por isso, profissionais da saúde, da comunicação dentre outros, temos que levantar essa bandeira a todo o momento. Não é só o HIV que nos preocupa, porque hoje sabemos que o vírus HPV, transmitido pelo ato sexual, pode não apresentar sintomas no homem e ele portar sem saber e contaminar a mulher. HPV É a sigla em inglês para papilomavírus humano. Os HPV são vírus capazes de infectar a pele ou as mucosas. Existem mais de 100 tipos diferentes de HPV, sendo que cerca de 40 tipos podem infectar o trato ano-genital. O HPV não cuidado pode se transformar em câncer uterino e dos genitais, principalmente no colo do útero, mas também na vagina, vulva, ânus, pênis, orofaringe e boca.
Falamos agora a pouco sobre o “beijar muito”; são muitas as contaminações via beijo e sexo oral. Os herpes, por exemplo, que incomodam tanto e não têm cura pode ser contraída pelo beijo e sexo oral.
8 – E a pílula do dia seguinte? Seria uma boa alternativa para quem não se preveniu?
Ela pode ser usada com muita cautela, e é válido lembrar que a pílula do dia seguinte não é um método contraceptivo indicado para uso frequente, deve ser ingerida apenas em casos inesperados de relação sexual desprotegida. Por possuir alta taxa hormonal, ela pode causar desconforto e reações incômodas, tais como: alterações no ciclo menstrual, interferência na ovulação, dor de cabeça, sensibilidade nos seios, náuseas e vômitos. Para evitar a gravidez, o medicamento deve ser utilizado no máximo até 72 horas após a relação sexual desprotegida. Ter de esperar por uma receita médica poderia colocar em risco a eficácia do anticoncepcional. O medicamento é entregue gratuitamente pelo SUS mediante prescrição médica desde 2005. Até então, apenas vítimas de violência sexual tinham direito à pílula na rede pública. O número de tratamentos por esse método saltou de 513 mil em 2010 para 770 mil em 2011, mas muitas mulheres ainda se queixavam da dificuldade no acesso ao medicamento.
A OMS revela que cerca de 16 milhões de adolescentes engravidam antes dos 18 anos.
9 – Você poderia dar algumas dicas e advertências de como reduzir os riscos de contaminação, para que todos tenham um excelente e saudável carnaval?
Para todos até mesmo aqueles que saem de casa pensando que não vão fazer amor:
Já existe vacina contra o HPV , então vacine-se / Seja prevenido e carregue camisinha, mesmo que seja para oferecer à algum amigo que se esqueceu de comprar /Não se esqueça das pílulas anticoncepcionais / Não beba, mesmo se não vai dirigir. E se for impossível não beber, vá intercalando a água com a cerveja / Mantenha-se sóbrio e respeite o seu corpo e o do outro. Não permita que a euforia de um dia estrague a sua vida inteira. Se for inevitável use a pílula do dia seguinte / Para os beijoqueiros e que também quem gosta de sexo oral:
Mantenha sua boca saudável – Evite sexo oral se tiver sangramento gengival ou abrir cortes ou feridas na boca ou ao redor – Não escove os dentes antes de realizar sexo oral, pois a escovação pode causar sangramento – Evite que seu parceiro ejacule na boca – O uso de preservativo pode reduzir bastante os riscos – Apesar do risco da contaminação pelo HIV (AIDS) ser extremamente raro através do sexo oral , especialistas acreditam que ser portador de uma doença sexualmente transmissível eleva as chances da pessoa ser infectada com o HIV.
10 – Você conhece pessoas que não gostam de carnaval? E por que não gostam?
Conheço sim. Há pessoas que aproveitam esse período para descanso, reflexão, oração dentre outras opções calmas e tranquilas, opostas ao convite da euforia. Eu creio que essa opção seja corajosa. Pois quando eu me oponho à maioria, corro risco de ser criticado ou visto como mal-humorado, triste etc. E na realidade não é nada disso. Quem faz um retiro espiritual nessa época fica ótimo, feliz com a vida e em paz com Deus e consigo mesmo
11 – A Saúde pública fala muito no uso da camisinha e de “se beber não dirija”. Existe mais algum alerta que podemos fazer nessa época de carnaval?
Sim. Eu gosto de chamar atenção para o fato de sermos todos vulneráveis e passíveis de cair em tentação. Portanto, fica o aviso: tenha amor pela vida e pelo corpo. Dance muito, beba pouco, aproveite a festa, mas sempre de maneira muito consciente. Tome conta de você mesmo. Cuide-se bem.
12 – Pela Lei 213 do Código Penal, qualquer ato libidinoso feito sem consentimento é estupro, o que é considerado um crime hediondo. No entanto, a lei sozinha não basta para reduzir a incidência de estupros, e por isso, a importância em conscientizar a população brasileira. É isso, não é?
O problema da sexualidade no Brasil não se limita aos ditos psicopatas de becos escuros, pois uma grande quantidade de estupros são cometidos por homens próximos, como amigos ou colegas, isso quando não são pais, tios primos ou outros membros da família. O fato é que muitos homens que cometem estupros trabalham, casam ou até têm filhos, como qualquer pessoa considerada normal, mas são capazes de praticar atos de extrema violência sem qualquer freio moral. Somente a partir do momento que se reconhece esse fato é possível se pensar na reeducação da sociedade para construir uma ética mais igualitária.
Registros de estupro aumentaram 168% em cinco anos no Brasil, de 15.351 em 2005 para 41.294 em 2010, ano mais recente das estatísticas compiladas pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apoiado pelo Ministério da Justiça, com base em ocorrências policiais e dados do Sistema Único de Saúde. Nos estados que mantêm informações recentes, a tendência desse crime sexual também aponta para aumento em 2013.
Entrevista concedida à Rádio Inconfidência
Revista da tarde – Coluna Amor e Sexo
14 de fevereiro de 2017