MULHERES QUE OPTAM POR NÃO TER FILHOS
Entrevista concedida à Rádio Inconfidência em 26/04/2016
Mulheres, das mais variadas gerações, profissões e lugares em algum momento da vida, tomaram uma importante decisão: não ter filhos. E, por não desejarem ser mães, enfrentam aquela que ainda é uma das maiores pressões da sociedade sobre as mulheres — a de procriar e experimentar uma felicidade que, diz-se, só seria possível por meio da gestação.
1 – Não querem ter filhos, e daí? Mulheres que optam por não ter filhos sofrem com muitas cobranças?
Sim. Muitas vezes são chamadas de egoístas, secas. Pressupõe-se que a mulher carrega consigo o dom de ser mãe, por poder gerar uma criança. E eu considero isto não só como um dom, é também uma responsabilidade que segue para a vida toda. A beleza de ser mãe e as dificuldades são alardeada por todos os cantos, com o dia das mães aproximando vamos ver isso nas propagandas em todas as mídias e lugares. Para a mulher em nossa cultura, é quase uma obrigação ser mãe. O presente favorito para se dar a uma menina, ainda é uma boneca.
Para mim, ser mãe é a expressão de um desejo e é preciso respeitar o desejo de ter ou não ter filhos.
2 – Existe uma verdade ou um mito onde se diz que ter filhos, faz com que a mulher experimente uma felicidade, que acreditam ser possível só por meio da gestação?
Eu não diria felicidade, no conceito literal, mas, é fato que a mulher que é mãe experimenta o amor profundamente genuíno pelo filho. Trata-se de um amor incondicional, de doação total e de querer bem. O verdadeiro conceito de amor Cristão. É claro que as pessoas são capazes de amar dessa maneira outras pessoas, é só querer de verdade. Além disso, o vínculo com o filho pode ser uma oportunidade de crescimento e de autoconhecimento excepcional.
3 – Quais são as razões que levam uma mulher a fazer essa opção? O que normalmente elas dizem de suas escolhas?
Algumas dizem da violência do mundo, outras acham que não têm estrutura psicológica e nem foram feitas para a maternidade. Algumas são apaixonadas pela correria e acham que não cabe ali em sua rotina, uma criança, outras pensam que o mundo está cheio demais. Algumas têm medo de que o corpo deforme. Eu já tive uma cliente que optou em não ter filhos porque não queria que nada e ninguém a tirasse do foco do marido. Ela dizia que o amava tanto que não cabia em seu coração mais ninguém.
4 – A sociedade já abriu espaço para mulheres avessas ao casamento, porque é tão difícil abrir espaço, sem julgamentos para mulheres que não querem ter filhos? Porque isso acontece?
A luta pela igualdade de direitos entre mulheres e homens está longe de ter chegado ao fim. Nossa cultura ainda é fortemente machista. Mudar isso significa mexer nas relações de poder, porque, quanto mais liberdade as mulheres tiverem para ter filhos ou não, mais elas poderão ocupar espaços de poder que antes eram exclusivos dos homens. Seria impensável que uma sociedade patriarcal como a nossa não fosse impor resistência a isso.
5 – Como estão hoje as mulheres de mais de 30 anos e que não se casaram? Existe uma ansiedade ou angustia produzidas pelo medo de não poderem mais ter filhos?
Sim, porque o relógio biológico é sinônimo de fertilidade. E as mulheres sabem que ao longo dos anos, após a primeira menstruação, a produção de óvulos vai diminuindo e as dificuldades para engravidar aumentam. Para a medicina, este processo começa por volta dos 30 anos.
É comum dizerem que quando a mulher faz 30 anos começa a sentir a pressão do relógio biológico, eu percebo que algumas sentem e outras não. Aos 30 anos eu percebi que algumas coisas tinham mudado em mim; eu passei a ter inveja das mulheres que paravam nas portas de colégio para levar seus filhos, dos assuntos sobre o cuidado com as crianças, por exemplo. Eu já estava com 30 anos e sofria uma pressão só a respeito do casamento, pois, eu me casei com 34 anos e tive a primeira filha aos 35.
Do ponto de vista social e cultural eu acredito que ainda seja bastante pesado ser uma mulher solteira depois dos 30. Mas o casamento é uma instituição cultural, então é mais fácil para o mundo lidar com pessoas que abrem mão dela do que com mulheres que disseram não a maternidade.
No consultório é muito comum eu atender mulheres com essa idade e que ainda não se casaram e que por causa desse relógio fazem opção pela produção independente.
6 – É comum o homem compartilhar da decisão da mulher e aceitar numa boa? Eles normalmente aceitam não deixar descendentes? As vezes isso faz parte da nossa cultura machista – O homem precisar marcar a sua masculinidade gerando um filho?
Os sonhos ou idealizações de homens e mulheres a respeito de sucesso são muito parecidos e neles estão incluídos o desejo por uma família composta também por filhos. Para alguns, não ter filhos pode representar fracasso pessoal, mesmo que tenha muito sucesso profissional. Por isso, quando uma mulher decide por não ter filhos, ela pode gerar um conflito com o marido que pode ter no filho, a conclusão de seu sucesso.
7 – O meio social é implacável, é comum mulheres dar outras desculpas para não ter que enfrentar a decisão de que não querem ter filhos?
De alguma maneira carregamos conosco as marcas da cultura que tenta empurrar as mulheres para a maternidade. O amor muda de significado de cultura para cultura, de época para época e mesmo de indivíduo para indivíduo. Quando se fala de sentimentos, não há verdades universais. É o nosso inconsciente coletivo funcionando em prol da organização social, onde começa a valer a sociedade privada. Os nômades não davam tanto valor assim a maternidade. Foi a partir do acumulamento de riquezas que as mulheres passaram a ficar mais presas para cuidar da prole, para que os filhos pudessem trabalhar e produzir.
Eu sinto, que a censura das outras pessoas traz um constrangimento para a mulher que fez a opção em não ter filhos. Elas parecem que não ter uma resposta assertiva quando abordadas. Eu respeito e admiro infinitamente quem quer ser mãe e compreendo que a maternidade possa transformar a mulher. Mas também entendo perfeitamente quem escolhe não ter filhos (ou adiar ao máximo) e admiro a coragem de decidir algo que, até pouco tempo atrás, não era algo a ser decidido, não era uma opção.
8 – As mulheres que têm um perfil mais perfeccionista e muito responsável, são as que mais fazem essa opção? Uma mulher reprimiria um forte desejo de ter filhos só porque pensa que não vai dar conta de educar bem uma criança? Ou que o mundo é hostil demais?
É uma ótima observação. As mulheres mais perfeccionistas, metódicas, que pensam muito e que medem o tempo todo as consequências das coisas na vida, têm mais receio de ter filhos e de não conseguirem ser perfeitas enquanto mães. Mesmo sabendo que a vida sempre vai trazer alguma coisa inesperada, tendo ou não tendo filho.
9 – Como uma mulher que faz essa opção pode lidar com seu meio social, a sua família que deseja netinhos, por exemplo. Qual desculpa ela pode dar e que agradaria a todos? Caso ela queira, é claro.
Algumas mulheres relatam que dependendo da pessoa e da situação, vale até mentir e dizer que não pode ter uma criança, e que isso é um grande trauma para ela etc…. geralmente, a conversa acaba mais rápido do que tentar explicar a opção de não ter filhos.
Outras contam que é comum ouvir dos outros que ela irá morrer sozinha e que ninguém vai enterrá-la. Que ela precisará de ajuda quando envelhecer, e que não terá ninguém a seu lado.
Eu não consigo achar correto esse pensamento de que um filho é uma garantia para o futuro.
10 – Qual é a estatista do IBGE para as mulheres que não querem engravidar?
Segundo as estatísticas da última pesquisa do IBGE, em 2010, 14% das mulheres brasileiras não têm planos de engravidar. Na pesquisa anterior, a porcentagem era de 10%. Além disso, o Censo mostra que as mulheres com mais instrução (mais de 7 anos de estudo) estão sendo mães mais tarde, depois dos 30 anos, e a média de filhos por mulher diminuiu drasticamente – de 6,1 para 1,9 nos últimos 50 anos.
11 – Encaixar um filho na rotina da mulher de hoje é um desafio. É uma escolha e uma conquista do sexo feminino considerando os avanços de contraceptivos existentes. Será que elas percebem a dificuldade que vão ter em encaixar um filho nisso tudo?
Eu acredito também que muitas mulheres adiam o sonho de ser de mãe em virtude desta rotina, dessa sobrecarga que existe atualmente. Uma mulher é madura e consciente quando suporta a pressão social ou até mesmo a do marido e impõe a sua liberdade, fazendo a opção em ter ou não filhos. Afinal, a vida é dela, embora viva em uma sociedade.