Elas são chefes de famílias, de empresas, de estados. Viram seu papel social mudar com o surgimento da pílula anticoncepcional, são maioria nas universidades e seguem firmes na luta pela igualdade dos direitos. Já viram muita coisa mudar, mas algumas ideias seguem imutáveis. O brinquedo preferido para presentear uma menina, por exemplo, continua sendo a boneca. “A maternidade deve ser compreendida numa dimensão multidisciplinar, avaliando-se fatores sociais e culturais. Antigamente não existiam métodos anticoncepcionais. Então, ao unir-se a um homem, a mulher não tinha muito recurso para evitar uma gravidez. E mesmo isso tendo se modificado, a ideia de que duas pessoas, ao se unirem, precisam ter filhos para povoar o mundo continua aí, pois é algo bíblico, muito inserido em nossa cultura”, analisa a psicóloga Sônia Eustáquia sobre o fato da figura da mulher ainda estar totalmente associada ao papel de mãe, como se não houvesse outra possibilidade.
A outra possibilidade, porém, existe. E é crescente o número de mulheres que optam por ela. É o caso da designer de interiores Érika Medeiros, de 41 anos e casada há 12. “Há algum tempo, cheguei a pensar na maternidade. Mas sempre tinha outra prioridade e os planos de ser mãe ficavam em segundo plano. Acredito que a vida me levou por esse caminho. Até que, há três anos, se tornou uma escolha. Em conjunto com meu marido, decidimos não mais ter filhos”, explica. Já para a analista de pesquisa Rúbia Meireles, de 32 anos, não ter filhos sempre foi uma convicção. “Eu nunca me imaginei mãe, apesar de cogitar a ideia quando eu era mais nova. Não por sonhar com a maternidade, mas por acreditar que era minha obrigação como mulher. Desde pequena somos estimuladas a ter o instinto materno, nas brincadeiras de criança. Com o amadurecimento e a experiência eu compreendi que não tinha nenhum dever, a maternidade não deveria ser um fardo. Então me libertei”, comemora.Tranquilas em suas decisões, tanto Érika quanto Rúbia ainda precisam lidar com pressão externa de uma sociedade que parece não aceitar que uma mulher pode não querer ser mãe. “Eu tento respeitar e compreender as escolhas das pessoas. Então, comentários maldosos ou afirmações de quem encontrou a fórmula da felicidade e diz que não é possível ser feliz sem seguir o mesmo modelo me incomodam muito”. Eu admiro e respeito (quem tem filhos), mas acho que não se deve impor esse modelo para todos. A afirmação ‘toda mulher quer ter filhos’ é muito pesada. Ela vem carregada de machismo, de uma obrigação, de um dever”, opina Rúbia. |
De acordo com a psicóloga Sônia Eustáquia, essa cobrança tem a ver com uma projeção que algumas pessoas fazem na vida do outro do que é ideal para elas. “O outro está sempre escolhendo para a gente aquilo que ele espera do mundo. É uma condição bem neurótica. Cada um deveria ocupar-se de fazer as próprias escolhas e dar conta delas e não projetar nos outros seus desejos e vontades. A mulher tem que se blindar veementemente da solicitação da sociedade e fazer essa opção do seu jeito”, enfatiza. De acordo com a especialista, blindarse inclui estar preparada para, por exemplo, ser chamada de egoísta. “Não é egoísmo, é autocuidado”, resume Sônia Eustáquia.Outra insinuação tão frequente quanto sem sentido é a de que mulher que escolhe não ter filhos não gosta de crianças. “Eu e meu marido somos tios maravilhosos, curtimos muito os nossos sobrinhos, os filhos dos nossos amigos e as outras crianças com quem convivemos”, relata Érika. Para Rúbia, a situação é similar. “Eu amo crianças e passo até muito tempo com elas, pois tenho dois sobrinhos que amo demais”, derrete-se. |
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Se para a mulher for difícil conciliar suas próprias convicções com as expectativas dos outros, Sônia Eustáquia recomenda um apoio profissional. “Aqui no Brasil a terapia é uma sofisticação ou uma necessidade de urgência. Mas a questão da maternidade é um tema importante. As pessoas que sentem necessidade de um aconselhamento poderiam recorrer a um profissional antes de dizer sim à maternidade ou de refutar essa ideia”.O mais importante é ter a questão resolvida internamente. “Eu lido com isso da seguinte maneira: hoje estamos felizes com a nossa decisão. Mas se no futuro sentirmos que alguma coisa mudou nos nossos planos, também teremos a mesma segurança e tranquilidade para voltar atrás e recorrer a uma adoção”, finaliza Érika. |
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