Mulheres x feminismo
Uma nova onda de críticas ao feminismo tem se espalhado nas redes sociais sob a ação “women Against Feminism”, traduzindo: “mulheres contra o feminismo”. Jovens postam fotos com mensagens contrárias ao que veem como radicalismo e vitimização da mulher pelo movimento. E é para falar sobre o assunto que eu converso agora com a sexóloga Sônia Eustáquia Fonseca.
1 – A expressão virou página no Tumbir e no Facebook, hashtag no twitter e motivação para selfies com frases como: “não sou feminista porque acredito em igualdade para homens também”. Como as brasileiras têm visto isso?
As que apoiam essas manifestações percebem que a mulher é vista como vítima no feminismo e também pensam que elas não precisam culpar o passado, a cultura e o patriarcado pelas inseguranças que surgem hoje. Algumas deixam claro que não aceitam mais é o movimento antigo, como algumas marchas, algumas atitudes. Esse novo movimento propõe uma sociedade igualitária e por isso não considerara a mulher uma vítima que precisa ser defendida a ferro e fogo. Vimos a pouco tempo, ainda dentro de uma concepção errônea uma mulher em praça pública se masturbando com um crucifixo. Isso é péssimo, porque é ofensivo enquanto religião e não há proposta alguma em defesa de direitos da mulher. Eu acho que qualquer mulher de bom censo repudia essa conduta, dita como feminista.
2 – A verdade é que a mulher conseguiu ampliar o seu espaço e realizou muitas conquistas. Será que ainda existe algum grupo de mulheres ou alguma mulher isolada que se percebe como vítima?
Sim. Existem grupos que insistem em discutir ou se manifestar contra coisas que nunca existirá, como por exemplo, as diferenças anatômicas e de gênero. A verdade é que, mulheres motivadas por algum sentimento interno podem sentir inveja da condição masculina e por isso se transformar em uma impetuosa manifestante. A verdade é que fizemos conquistas históricas, como a divisão de tarefas no lar, igualdade no trabalho produtivo, direitos para cursar uma faculdade, dentre outras aquisições que há 70 anos nem sonhávamos.
3 – Na sua opinião o que seria uma pessoa antifeminista? Para ser antifeminista tem que ser necessariamente machista?
Eu sou uma pessoa antifeminista; no sentido dos movimentos antigos. Eu odeio os movimentos feministas impetuosos. Para mim a virtude está em reconhecer com segurança e orgulho a condição de igualdade da mulher. Eu nunca fui privada de nada por ser mulher. Tirei carteira de motorista há 45 anos, ocasião em que poucas mulheres dirigiam. Entrei para a faculdade e fiz o curso que eu escolhi. Me casei e dividi com meu marido despesas e tarefas. A minha condição de mulher nunca me atrapalhou de seguir o curso natural da vida.
Eu também não me considero machista. Acho que homens e mulheres têm os seus lugares, tudo passa pela conquista o que dá trabalho.
4 – Às vezes os movimentos têm postura de intolerância e isso é ruim. Não ajuda na reflexão e nem nas mudanças necessárias. A ideia de tratar a mulher como indefesa também é ruim para ela, não é? Como você percebe isso?
O que importa é que a mulher hoje tem autonomia para fazer tudo o que ela planeja e escolhe. Ela não é mais submissa ao homem em relação ao dinheiro, posição profissional e social como foi no passado. Essa posição está muito bem consolidada e não vai existir retrocesso. Eu considero esse medo ainda existente nas feministas atuais muito bobo e sem propósito.
5 – Como têm sido vistas as mulheres que divulgam o ante feminismo nas redes, principalmente pelas outras mulheres?
Algumas dizem que o discurso é machista, mas, o que essas mulheres estão fazendo só mostra coragem e determinação para avançar socialmente. A mulher não pode ser vitimizada, ela tem que ser compreendida como uma cidadã comum e como todo ser humano precisa de amparo e proteção da família e do estado, as mulheres também precisam. Ela não pode ser tratada como coitada, isso impede que ela seja vista positivamente. Uma pessoa frágil e coitadinha não pode ocupar cargos que vão exigir coragem e força de caráter. O mercado de trabalho já deixou de vê-la por esse ângulo da fragilidade.
6 – Como fica a mulher que opta em ficar em casa, tomar conta dos filhos e não em ir para o mercado de trabalho?
Eu não vejo problema algum. Ela pode ser considerada “uma igual” a qualquer outra que tem atividade extra lar. O feminismo tem que abraçar todas as demandas, incluindo as das mulheres que escolhem ficar em casa cuidando dos filhos, por exemplo. Precisamos de novas maneiras de disseminar e enxergar o feminismo ou as mulheres. O feminismo nos debates antigos é estranho, mais parece uma “panelinha” de mulheres revoltadas com a condição de ser mulher do que o de um movimento por uma causa justa e produtiva. Ele fala das atividades do lar como algo ruim para a mulher, o que não é verdade. A mulher que fica em casa é confiante na educação que o filho está recebendo, é efetivamente participativa e quase sempre é segura em sua condição de mulher, dentre outras coisas boas.
7 – Muitas vezes pode ocorrer confusão de debates, como por exemplo: o estupro, a violência contra a mulher e o assédio sexual. Como isso pode ser bem compartimentado para que não haja dúvidas?
É verdade, não podemos confundir os temas e ele aparece nos debates sempre misturado. Existem problemas que são de natureza humana. Eles fazem parte da estrutura de personalidade da pessoa independente do gênero. Há vários olhares possíveis para o fenômeno que muitos creditam unicamente ao machismo, como a cantada, a violência doméstica etc.
8 – Podemos dizer que o feminismo contemporâneo não se limita a questão de gênero? O debate ampliou?
Sim. O debate ampliou para temas sociais que têm na sua raiz a naturalização de desigualdades, e isso inclui questões de cor da pele, geração, classe social e outros.
9 – Pelo que podemos perceber é que existe uma ideia estereotipada do que é o movimento feminista. Se precisamos de uma posição ou de um discurso para a questão, qual seria?
Não se trata de um discurso contra o feminismo, e sim o exercício da autonomia feminina. Não podemos ficar amarradas a memória histórica onde deu origem ao movimento de vitimização da mulher. E isso já foi amplamente discutido e colocado por várias feministas do mundo inteiro. E que já deu resultados. Não precisamos continuar com o mesmo discurso.
10 – Parece que na militância feminista há desinformação e há também um caráter heterogêneo no movimento? É isso mesmo?
Sim. Nos movimentos aparecem mulçumanas heterossexuais, lésbicas, de todos os tipos de escolhas e muitas outras mulheres que nem sabem bem o que estão fazendo na marcha, ou o porquê dela. Nota-se a preferência por alguns temas e a omissão diante de outros. O que há são vários femininos, não um só.