Entrevista Radio Inconfidência – Cinquenta Tons de Cinza

Entrevista concedida à Rádio Inconfidência em 11 de fevereiro de 2015

 “CINQUENTA TONS DE CINZA”

Amanhã será lançado o tão esperado filme “50 tons de Cinza”, baseado no best-seller homônimo escrito por E.L. James, a história adapta o volume inicial da trilogia que alcançou uma marca que ultrapassa a 100 milhões de cópias vendidas. Agora nos cinemas de quase todos os países, o filme que tem a presença dos lindos atores como o par central, Dakota Johnson e Jamie Dornan, promete popularizar mais ainda a obra de James. Sabemos que se trata de um tema erótico e sadomasoquista e é para conversar sobre o assunto que vamos falar agora com Neuropsicóloga e Sexóloga Sônia Eustáquia Fonseca.

 

RESPOSTAS

1 – Qual é a estória contada no livro, em breves palavras?

É a história de uma estudante de literatura de 21 anos, virgem que vai entrevistar um empresário muito rico que é benfeitor de sua universidade. Além de rico ele é lindo, poderoso e dominador. Ela é de família de classe média, submissa e desengonçada. O primeiro momento entre os dois se dá nessa entrevista. Nesse primeiro livro a autora capricha muito em descrever os aspectos sensoriais de uma relação sexual. Utiliza-se de umas 15 páginas para descrever cada relação. Ele é dominador e tem características sadomasoquistas para fazer amor. Por ser consensual e inclusive constar em contrato o que pode ou não ser feito, não podemos dizer que se trata de uma relação puramente sadomasoquista. O livro num todo é enfadonho, chato e não convincente por não conter uma história boa. Considerando a trilogia, podemos dizer, que quem gostou de crepúsculo vai gostar dessa história também.

2 – Porque o estrondoso sucesso desse livro e que agora se transforma em filme?

A autora cria personagens muito concretos e que mexe com o imaginário principalmente das mulheres, a maioria se identifica com a Anastasia ou Ana, porque de certa forma todas nós sonhamos com um príncipe encantado, lindo rico e poderoso como é apresentado o Christian Gray. Qualquer tentativa de derrubar o mito é seguida de críticas, porque elas não querem perceber que aquilo é um conto erótico ficcional. Assim como um religioso fanático ou um torcedor fiel, precisam imaginar que aquele céu é possível, e que o seu time é o melhor.

Quando alguém se apega dessa forma a uma imagem fantástica da realidade não é bom se atrever a aproximar a agulha do balão e estourar os sonhos. Isso sempre é uma proteção psicológica importante porque há de se ter um estímulo melhor e mais maduro para substituir o anterior.

Existe alguma razão para tanto ardor atrás do fanatismo, uma falta substancial na vida concreta que faz com que os devaneios com um personagem imaginário seja tão indispensável. É bom refletir sobre isso.

3 – Qual a  essência  psicológica da história?

O que prende as leitoras da história de 50 tons de cinza, na minha visão, não é o sadomasoquismo, mas a dor e sua cura pelo amor. É esse o gancho e fascínio das mulheres. Elas se vestem no corpo de Ana na tentativa de curar um homem enigmático e lindo acreditando que o amor tem essa força. Essa ideia reafirma uma fantasia feminina de que seu sentimento de amor tem o poder mágico de transformar um homem fechado, amargurado e violento em alguém expansivo, aberto e regenerado.

4 – Muito se fala sobre as mulheres porque, afinal, é o público-alvo do livro, mas como os homens têm reagido aos 50 tons de cinza?

Os mais críticos acharam que a autora foi infeliz quanto ao enredo da história, a descrição do personagem dentre outros defeitos. Percebem que a história não é convincente ou não tem Verossimilhança. Por essa razão não tiveram muito prazer em ler ou mesmo consideraram o livro fraco. Quanto ao aspecto sexual, os que já gostavam de sexo sado masoquista não viram nada demais e os que não gostam da ideia perceberam que o poder pode subjugar os outros. No caso, perceberam que aquela mulher, tímida e sem experiência sexual, pode ter pensado que sexo bom e normal era daquele jeito. Enfim, o livro não agradou os homens de maneira geral, o seu público foi mesmo o feminino.

5 – Este livro revela que tipo de comportamento? Digo isso porque tenho a impressão de que há uma espécie de liberação para falar sobre sexo como prazer, e não somente como ato reprodutivo.

O sexo já deixou de ser objeto de reprodução desde a década de 50, com a pílula anticoncepcional; porém, a evolução sócio/cultural a respeito da sexualidade como objeto de prazer ainda é discutida, principalmente nos meios religiosos. Hoje falamos até de casamentos homossexuais que não tem nada haver com reprodução. Casais escolhem quantos e quando terão filhos. Mulheres fazem opção em ter filhos de forma independente. A verdade é que o sexo está se desatrelando da ideia de família e se atrelando a ideia de prazer, pelo prazer.

O comportamento descrito no livro é um comportamento sexual que dá vazão às fantasias sexuais do casal e principalmente do protagonista, que de certa forma subjuga a mulher. Ser subjugada frente a situações sexuais pode ser uma fantasia de algumas mulheres, as histéricas, por exemplo, e que foram retratadas dessa maneira e muito bem, pela psicanálise. Podemos considerar também que o sexo bizarro pode passar pelas nuances de uma estrutura perversa de personalidade. Compreendo que sexo consensual, não exposto a outras pessoas, pode receber do casal ou do grupo que pratica a aprovação, como bom e prazeroso. Não tendo nenhuma conotação patológica.

6 – Você percebeu se o livro provocou alguma melhora nas relações?

Toda informação que traz uma discussão é benvinda, mesmo que seja para receber críticas. Através da discussão podemos avançar no tema sexualidade. Atualmente com tantos vídeos com temas pornográficos trazendo relações bizarras, via internet, podemos pensar que é um bom motivo para discutirmos as diversas formas de fazer amor e sexo. O bom de tudo isso é que as pessoas podem escolher respeitando a sua subjetividade.

7 – Como especialista, para você, qual foi a grande sacada do livro?

Acho que foi fácil para a mulher se identificar com a protagonista. De certa forma, as mulheres que gostaram do livro se viram um pouco na doce, pacata e tímida estudante de jornalismo. No fundo, elas gostariam de viver essa aventura e ir às últimas consequências de servidão para satisfazer um homem, se satisfazendo dessa maneira.

8 – O que diferencia uma relação sexual com toques de sadomasoquismo de uma relação normal? Um casal como o do livro pode ser considerado um casal normal?

De acordo com DSM 5, um sadomasoquista só deve buscar tratamento se essa preferência sexual estiver causando algum prejuízo para sua vida ou para a de terceiros. Em outras palavras, se a prática for consensual e segura, como pregam os praticantes, não há por que ser considerada doentia.

Mas isso é diferente da pessoa que é prisioneira dessa situação. Quem só consegue obter algum tipo de prazer por meio da dor provavelmente teve problemas na infância durante seu desenvolvimento sexual infantil ou foi vítima de abuso ou presenciou formas de violência.

9 – Será que queremos acreditar em heróis e num tipo de vida infalível?

Quando defendem o amor de Grey e Ana, de Romeu e Julieta, a Bela e a Fera, ou a fúria do lobo mau contra os 3 porquinhos as pessoas estão defendendo a si mesmas. Protegem o seu próprio direito de sonhar. Atacar qualquer uma dessas imagens lúdicas é mexer num vespeiro de faltas, dores e traumas sem fim.

10- Podemos considerar a relação desse casal como uma relação de amor?

Não, isso não é amor, isso é fixação, apreensão emocional e roubo de identidade. Se uma mulher (ou homem) acha que amor é ter um escravo que atenda todos os seus anseios, faltas e buracos emocionais existe um grande problema na relação.

De outro lado quem disse que todas nossas carências devem e podem ser atendidas? Isso acontecia ilusoriamente na sua infância porque você tinha meia dúzia de necessidades. Na vida adulta isso é impossível, não haveria tanto leite para esses bebês-adultos buscando mamadeiras inesgotáveis. Talvez você veja no Mr. Grey uma versão repaginada de figuras maternas, mas quando um adulto ainda busca ter todos os seus desejos atendidos ele estará em sérios apuros.

O ser humano na medida em que o tempo passas,  e a maturidade vai chegando,  chega junto também o desejo de construir a sua própria realidade com os seus próprios esforços. Ana recebia tudo de Grey , para mim isso é uma asfixia psicológica, uma infantilização onde se cria um mundo encantado ao redor. É fácil perceber a função paternal de Grey, um pai (severo) impõe o que ela deve vestir, onde trabalhar e morar, sem questionamento. Um parceiro de verdade está lado a lado, pergunta e planeja sonhos compartilhados.

11 – Qual a confusão que pode trazer para os leitores ou quem vai ver o filme?

Nem sempre aquilo que verbalizamos como nossos desejos especificam aquilo que realmente necessitamos, vejo essa miragem com o livro de E. L. James. O que essa história revela sobre as mulheres de verdade e que elas próprias não reconheçam?

As mulheres querem ser vistas, não rastreadas, querem sair um pouco do controle, não privadas das escolhas,  querem ser protegidas, não serem enjauladas pelo dinheiro, querem ser desafiadas, não envolvidas num drama de controle, querem brilho nos olhos e intensidade emocional, não necessariamente selvageria, enfim, intimidade e entrega sexual em sua vida.

O problema é esperarem que um homem (não humano) com super-poderes ofereça isso a elas e acharem que pelo simples fato de serem mulheres já estão realmente prontas para viver tudo isso.

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