Toda brincadeira ou brinquedo são educativos, não somente os classificados como tal e por terem determinada característica (explicitar cálculos, letras, cores, números, formas geométricas, etc.). Toda atividade lúdica favorece diversas possibilidades de explorar o mundo, as relações com o corpo e a fantasia; por isso contribui no desenvolvimento infantil nos aspectos cognitivo, social, emocional, cultural, acrescentando ainda o efeito psicoterapêutico que pode ter uma brincadeira.
Uma criança é plena em sua infância e apta ao desenvolvimento porque brinca. Se não consegue brincar, não está bem; se seus pais não a deixam brincar, eles também não estão bem. Se eles exigem da criança obrigações de adulto e as enchem de atividades, é porque estão tentando preencher suas próprias inquietações com a agenda lotada do filho. Por exemplo: a angústia atual com o futuro face ao desemprego e às dificuldades econômicas. Há aqueles também que desejam que os filhos sejam e tenham o que eles não conseguiram Ser ou Ter.
Afastando essas possibilidades, pais que preenchem as agendas de seus filhos com atividades educacionais pedagogicamente criativas e corretas, podem estar acertando. Uma criança pode aprender formalmente (em uma instituição) línguas, música e esportes ainda bem cedo, por volta dos três anos. Se essas atividades são ministradas adequando brincadeiras ao processo de aprendizado, respeitando a faixa etária e emocional da criança quanto aos estímulos pedagógicos utilizados para condução da aprendizagem, considero de bom “tom”. Aprender brincando é prazeroso para a criança, não lhe traz angústia e é divertido.
Uma criança começa bem cedo a brincar: brinca com os próprios pés, com as mãos, com o corpo do adulto que a carrega; diverte-se com seus balbucios; interessa-se pelos objetos que estão no corpo do outro, como roupas, óculos e adereços. A criança provoca o adulto com seu sorriso, instigando-o à brincadeiras de aparecer e desaparecer, de dar e levar susto, entre outras. Nessa idade são as ambivalências e contrastes de comportamento que levam a diversos tipos de brincadeira. Assim o bebê começa a longa trajetória de brincadeiras que permeará sua vida infantil e se prolongará de certa forma até a vida adulta.
Por volta de dois a três anos, as brincadeiras permitem à criança a percepção que cada um existe independentemente da existência do outro. Isso representa um grande passo para a construção de uma identidade pessoal e social.
Em grande parte do desenvolvimento da criança ocorre os jogos de faz de conta, nos quais ela assume diferentes papéis e os representa, facilitando a compreensão do mundo em que vive.
O aspecto cognitivo da brincadeira
Cada brincadeira é uma conquista neuropsíquica. Experimentar os sons, as possibilidades dos objetos, as distâncias e as relações espaciais traz um interesse pelo mundo como algo inesgotável à explorar, e a criança deixa de se contentar unicamente com o amor do adulto. Inicia-se o processo de independência, fechando o da simbiose. A criança passa a conhecer o próprio corpo e o que está fora dele. A partir da brincadeira ela pode desenvolver seu potencial de linguagem, a matemática simples, relações espaciais, mecânicas, etc. Pela curiosidade, que lhe é inerente, pode desenvolver também a criatividade para o aprendizado de artes em geral.
Autores reconhecidos, como Piaget, teorizaram sobre o desenvolvimento infantil pela observação de crianças em suas atividades lúdicas, livres, dirigidas ou estimuladas. A partir das observações e de outras pesquisas, levantaram-se hipóteses, criaram-se testes e sistematizaram-se teorias a respeito do desenvolvimento infantil. Hoje esse arsenal teórico e científico é utilizado nas escolas e é imensa sua contribuição para a educação infantil em todo o mundo.
A brincadeira e o crescimento social da criança
Podemos dizer que o desenvolvimento social das crianças se dá a partir das interações de convívio que elas estabelecem com o meio. São as normas e valores que regem as relações humanas, numa constante troca de direitos e deveres, que vão delineando os papéis da criança, marcando dinamicamente a personalidade de cada uma para o resto da vida.
Enquanto a criança brinca, aprende a lidar com as frustrações , uma vez que os resultados dos jogos nem sempre são aqueles esperados por ela. Ela aprende também a ceder, negociar, discutir, solucionar problemas, criar saídas, acatar limites, uma vez que os jogos têm regras e contratos a serem cumpridos. Todos esses aspectos são muito importantes para viver em sociedade naquele momento e depois quando forem adultas. A maioria dos jogos com regras é compreendido pelas crianças em idade pré-escolar e exercem nelas um interesse muito grande. Existem vários outros que possuem aspectos semelhantes de socialização que favorecem crianças menores. Por volta de dois a três anos, as brincadeiras de esconder e aparecer, por exemplo, permite-lhes perceber o outro e diferenciar-se dele, começando aí um processo de respeito e de limites. Um aspecto relevante na construção de uma identidade pessoal e social.
Para compreender melhor o mundo em que vive, a criança gosta de brincar com jogos de faz de conta, nos quais ela pode assumir diferentes papéis e representá-los. Brincando, ela consegue compreender a realidade da qual faz parte e assim constrói uma boa autoestima. Um exemplo muito comum é a brincadeira de “casinha”, em que a criança assume o papel da mãe em todas as suas rotinas e obrigações (domésticas ou de trabalho fora de casa).
Naquele momento, ela passa a representar a realidade em que vive e, a partir daí, pode até mesmo compreender melhor a ausência da mãe e outros fatos que acontecem dentro da família. Brincando, ela também pode desempenhar outros papéis familiares. Ora ela é a mãe, ora ela é a filha; ora é a empregada, a avó ou o irmão. A criança, à maneira dela, vai construindo a compreensão da realidade em que vive.
Enquanto brinca, a criança também pode desempenhar diferentes papéis sociais. Ela pode ser o motorista de ônibus, a professora, o dono da loja de brinquedos, entre outros. Assim ela percebe que vive num mundo construído de pessoas, profissões e afazeres distintos, que assumem diferentes responsabilidades, direitos e deveres. A compreensão de que as pessoas podem viver sob várias perspectivas sociais possibilita uma abertura para a vida e para futuras escolhas vocacionais.
As brincadeiras trazem oportunidades inesgotáveis para o desenvolvimento social infantil, e a atividade em si mesma auxilia a amadurecer a tomada de decisões e a habilidade de negociação futuras. Hoje se fala tanto em empreendedorismo, habilidade que não se ensina na escola nem em livros, e podemos afirmar que essa habilidade começa cedo e com as brincadeiras criativas. Seria enfadonho e exaustivo enumerar tantas oportunidades oferecidas às crianças em seu ato de brincar. Deixo ao leitor a tarefa de refletir sobre essa responsabilidade para com a criança.
A BRINCADEIRA PARA O CRESCIMENTO EMOCIONAL
O aspecto psicoterapêutico
Através da relação com o concreto, brinquedos ou pessoas, a criança pode expressar seus afetos, emoções e sentimentos. Ela começa a aprender a simbolizar com as palavras a partir de algo palpável, visível ou audível. Uma criança pode projetar toda sua angústia batendo num boneco e expressar verbalmente toda sua raiva. Ela pode manifestar suas faltas, acariciando, vestindo e cuidando de uma boneca ou bichinho. Ela pode repetir as atividades várias vezes, até conseguir simbolizar de maneira diferente e mais madura suas emoções. Através da mesma brincadeira, ou de brincadeiras diferentes, a criança com algum conflito pode ficar livre da angústia original e se desenvolver melhor em todos os aspectos.
A repetição tem muita razão de ser nas brincadeiras infantis; é o diferente no igual. A cada vez que se faz, faz-se de uma maneira diferente, ou sente sensações diferentes. Tudo isso é para que uma situação de angústia se efetive de forma mais suave e menos sofrida. Em determinadas situações de repetição, há necessidade de um profissional para auxiliar no processo, para que não “transborde” em experiência dolorosa. No geral, o repetir serve para experimentar a sensação de perder e recuperar aquilo que lhe interessa. Como por exemplo, o jogar um brinquedo para o adulto pegar incansavelmente, ou em crianças maiores, assistir várias vezes a um mesmo filme.
Os tratamentos psicoterapêuticos com crianças são realizados com utilização de repertório lúdico, facilitando a ressignificação de conteúdos traumáticos.
O lúdico funciona como um regulador da angústia, da separação, do crescer, da autonomia, dos limites, enfim, da constituição de uma criança num determinado momento de sua vida.