A INFERTILIDADE E OS CONFLITOS EMOCIONAIS

A situação de infertilidade é capaz de provocar efeitos devastadores tanto na esfera individual como conjugal e desestabilizar as relações da pessoa com seu entorno social, podendo ocasionar, inclusive, um decréscimo na qualidade de vida.

Desejar ter filhos, mas se deparar com uma impossibilidade nesse processo produz uma ampla gama de sentimentos, tais como medo, ansiedade, tristeza, frustração, desvalia e vergonha, desencadeando por vezes quadros importantes de estresse.

Segundo dados da Organização Mundial de Saúde, estima-se que entre 60 e 80 milhões de pessoas em todo o mundo enfrentam dificuldades para se tornarem pais em algum momento de suas vidas. Desses, calcula-se que o índice atinja aproximadamente 20% dos casais em idade reprodutiva. No ano de 2000, aproximadamente de 5,0 a 6,3 milhões de mulheres nos Estados Unidos apresentaram problemas de infertilidade, estimando-se para 2025 um incremento desse índice para 5,4 a 7,76 milhões.

Infertilidade x esterilidade
Para compreender a dificuldade de alguns casais em engravidarem é importante conhecer a diferença entre infertilidade e esterilidade.
A infertilidade se dá quando um casal deixa de utilizar métodos contraceptivos e mantém relações sexuais frequentes por, pelo menos, 12 meses sem ocorrer a gravidez, entende-se que a chance do casal, nesses casos, está diminuída. Essa condição normalmente está ligada a problemas no aparelho reprodutor, masculino ou feminino.

Já a esterilidade é caracterizada quando as chances de um casal engravidar, tendo relações sexuais, são inexistentes. Ela também se deve basicamente a problemas no aparelho reprodutor, e é irreversível.
Quando a mulher nasce sem o útero ou precisa retirá-lo por algum problema de saúde ou o homem tem algum problema grave e irreversível na produção de espermatozoides, por exemplo, podemos dizer que se trata de um caso de esterilidade.
Descobrir que não é capaz de se reproduzir pode ser muito negativo e desestabilizador para a pessoa individualmente e também para o casal. Por causa dos inúmeros procedimentos médicos e exames laboratoriais o casal, e principalmente a mulher, costumam se sentir invadidos fisicamente e agredidos psicologicamente.

O desejo de ser pai/mãe
Nascemos emaranhados numa teia de desejos maternos e paternos (conscientes e inconscientes), carregando as marcas de estarmos vinculados a uma trama simbólica, que transcende a biologia, mas que por meio dela revela nosso pertencimento a uma família, a uma geração, a um lugar no mundo.

Diversas motivações se encontram presentes no desejo de ter um filho, que pode ser a expressão de um ato criador e produtivo dentro de um vínculo fecundo do casal; podendo constituir um dos destinos possíveis para a realização da condição masculina e feminina.

Segundo Freud (1914/1996), desejos de imortalidade, de se aperfeiçoar através do filho, de realizar antigos sonhos e projetos inalcançáveis podem se encontrar nas raízes do projeto parental.
Além disso, um filho pode estar sendo desejado para preencher lacunas na vida dos pais; para tentar salvar o casamento; para evitar a solidão e até mesmo para atender à pressão cultural e familiar, uma vez que filho é visto como um atributo de valor, potência e poder.

O contexto reprodutivo é formado na história de cada indivíduo a partir de uma constelação de significantes inconscientes, de acontecimentos simbólicos, de elementos imaginários e reais que caracterizam a singularidade e a subjetividade da verdade de cada um. O fato de o desejo de maternidade e paternidade estar intimamente relacionado com as vivências singulares de cada pessoa indica que a experiência emocional da infertilidade igualmente terá um caráter eminentemente singular.

A investigação do problema
Ao contrário do que algumas pessoas pensam a infertilidade não é um problema exclusivo do organismo feminino. É por isso que, diante dessa dificuldade, ambos devem ir ao médico para realizar exames. As chances de engravidar existem, mas cada caso deve ser analisado de maneira particular. Uma vez descoberta a causa, é possível contornar a situação com tratamentos específicos.

No entanto, por mais que a infertilidade ou a esterilidade seja considerada um problema do casal, a mulher ainda é vista como a principal responsável pelos problemas reprodutivos. Além disso, culturalmente ela também é mais requisitada dentro da comunidade médica. Por mais que este não seja o procedimento padrão recomendado, os exames para investigar o motivo da infertilidade ainda são indicados primeiramente às mulheres.

É para a mulher que as atenções são dispensadas, com uma grande demanda de avaliações. Ao homem, cabe executar exames simples de espermograma para poder suspender a possibilidade de baixa qualidade de esperma. Caso este exame resulte normal, fica o homem isento de qualquer ‘responsabilidade’ que justifique a dificuldade de engravidar. Nesses casos, cabe uma busca mais pormenorizada na mulher, mediante exames invasivos. Além disso, a concepção de infertilidade, ainda hoje, coloca a mulher numa posição estigmatizante.

Os problemas causados pela infertilidade
A infertilidade pode desencadear a revivescência de antigos traumas, perdas, sentimentos de inadequação, ciúme, inveja, tudo dentro de um processo de contato frequente e de longos períodos de interação com profissionais da saúde. A quebra da idealização da gravidez e das ilusões a ela relacionadas pode mexer com questões mais profundas do casal, e ficar inclusive num plano do inconsciente.

As dificuldades sociais aparecem, uma vez que o convívio com a família de origem, com casais com filhos e as relações cotidianas no trabalho, muitas vezes são carregadas por cobranças. O desejo de sermos pais como nossos pais vai se instalando desde a mais tenra infância por causa das nossas identificações; e as possibilidades em nos sentirmos homem ou mulher perpassam as funções parentais. A capacidade de procriação parece ser um significativo referencial da identidade de gênero, o qual diante do diagnóstico de infertilidade exige um importante trabalho de elaboração psíquica para dar conta da possível alteração nesse projeto.

Diante da perda, ou da ameaça, do poder de procriação, muitas vezes não se distingue o que causa maior sofrimento: a ausência do filho desejado ou os sentimentos de fracasso, de perda e de insegurança que invadem a pessoa nessa situação. A infertilidade é sentida e vivida como um evento traumático para a maioria dos casais, sendo experienciada por eles como o evento mais estressante de suas vidas. A pressão social e parental para a propagação do nome da família coloca um grande peso sobre os casais inférteis.

A inabilidade para realizar essa tarefa social coloca o casal que não consegue conceber sob forte pressão. O conceito de si mesmo se vê constituído sob a égide da desvalia e da incapacidade, chegando a se verem como defeituosos. A esterilidade tem sido considerada uma experiência de dilaceração pessoal, caracterizada pelo sofrimento e pelos conflitos subjetivos vividos pelos homens e mulheres que atravessam essa situação.

A experiência de infertilidade pode gerar culpa e vergonha, muitas vezes produzindo um estigma social, que pode acarretar alienação e isolamento. Uma acentuada queda na auto-estima, carregada de sentimentos de inferioridade, é capaz de configurar quadros importantes de depressão e de ansiedade elevada, podendo desencadear severas perturbações nas esferas emocional, da sexualidade e dos relacionamentos conjugais.

O tratamento emocional
Os casais que atravessam uma problemática dessa ordem precisam do olhar do médico, do profissional de saúde mental, do apoio social e de todos os profissionais que estão comprometidos com seu tratamento. Escutar o casal de maneira ampla é considerar que diferentes fatores estão inter-relacionados quando um problema é diagnosticado. A Psicologia da Infertilidade e da Reprodução Assistida é um campo novo e fecundo, e em nosso entender está em perfeita consonância com os objetivos da Psicologia da Saúde.

Para esse trabalho destacam-se a psicoterapia de orientação psicanalítica, as terapias cognitivo-comportamentais dentre outras. Independentemente do modelo teórico-técnico adotado, a presença do psicólogo ou de um profissional de saúde mental nas equipes que trabalham com casais inférteis é de fundamental importância.
Tal presença se justifica pela necessidade de contemplar o Fenômeno da infertilidade como um problema de saúde que requer um olhar integrado a partir de um trabalho interdisciplinar. Muitas vezes, o espaço de escuta abre para o casal o desejo de tratar de forma mais abrangente toda a sorte de conflitos despertados pela situação de infertilidade. Em geral todas as abordagens visam auxiliar os indivíduos inférteis a lidar com os medos, angústias e fantasias despertadas pela infertilidade, assim como auxiliar a refletir sobre as decisões que deverão tomar em relação aos tratamentos, proporcionando escuta e apoio.

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