Feminicídio: um perigo constante

De acordo com levantamentos da OMS, o Brasil é um dos países mais perigoso para as mulheres viverem no mundo. O assassinato da mulher, quando motivado por violência doméstica ou discriminação de gênero, é considerado um feminicídio.

Esses crimes são caracterizados como mortes evitáveis, que podem ser intervindas por meio da mobilização social ou por medidas públicas. Por isso, em 2015, uma lei passou a considerar esse tipo de homicídio como um crime hediondo, com pena de 12 a 30 anos de prisão.

Porém, não é sempre que a lei funciona e muitos casos não são registrados por serem considerados sem importância. Além disso, por ser uma lei recente, a aplicação dela nas delegacias estaria começando somente agora.

Feminicídio X crimes hediondos praticados contra a mulher
O feminicídio não define o assassinato de todas as mulheres. A Lei n. 13.104/2015, que trata o feminicídio como crime hediondo, classifica o mesmo como “o assassinato de uma mulher cometido por razões da condição de sexo feminino”, quando o crime envolve “violência doméstica e familiar e/ou menosprezo ou discriminação à condição de mulher”. Ou seja, uma mulher que sofria ameaças de um ex-companheiro e depois foi morta por ele, é uma vítima de feminicídio. Já uma mulher que foi morta após um roubo, por exemplo, sofreu o crime de latrocínio.

Cultura do patriarcado e violência contra a mulher
A violência contra a mulher não é um problema atual e decorre de um longo processo de opressão do gênero feminino, o qual foi construído ao longo de milênios, por um sistema extremamente machista e patriarcal.

Culturalmente a sociedade naturalizou a subordinação feminina e exaltou a figura do homem. Para que o poder patriarcal se impusesse e perdurasse, foi necessário organizar o poder paterno na família e apoiá-lo numa ideologia que enfatizasse uma hierarquia extrema entre os sexos, legitimando o exercício do poder masculino.

As estruturas culturais históricas de dominação masculina são responsáveis pelo fenômeno social da violência doméstica contra a mulher que perdura até os dias de hoje. Ainda existem resquícios de uma sociedade historicamente patriarcal e até os dias atuais ainda prevalece uma idéia de superioridade masculina, a qual faz da mulher uma das maiores vítimas de discriminação e violência, justamente pela sua condição de ser mulher. O problema tem raízes profundas e já fazem do Brasil a quinta nação mais perigosa para as mulheres, de acordo com levantamento da OMS.

Ao longo dos anos a mulher deixou de ser apenas a responsável pelo lar e afazeres domésticos e se tornou independente e participativa nas diversas esferas sociais. No entanto, a cultura machista ainda prevalece de forma muito forte na sociedade. Por isso, o desequilíbrio de poder, a subalternação e objetificação das mulheres e a exploração do trabalho delas na sociedade as colocam em situações de risco dentro de relações domésticas, familiares e sexuais.

O feminicídio ocorre na cotidianidade de uma sociedade patriarcal onde as mulheres são castigadas por meio da morte quando não cumprem com os papéis de gênero historicamente outorgados. Ainda por questões históricas e sociais, dentro do universo feminino existem os grupos com maior risco de serem vítimas de feminicídio, são as mulheres negras, em idade reprodutiva e de baixa renda.
Além disso, a não aceitação de um término de namoro ou de casamento e o consumo excessivo de álcool ou drogas pelos homens, somados a um discurso de ódio, formam o cenário perfeito para que haja a motivação de atos violentos contra as mulheres. Considerando que os feminicídios são causadas pela aversão dos homens às mulheres, esse tipo de ato seria motivado puramente pelo caráter machista.

Crime anunciado
O feminicídio íntimo – aquele cometido pelo companheiro – é uma morte anunciada. Dificilmente uma relação que não estava marcada pela violência física, sexual, psicológica ou patrimonial termina em feminicídio.

Na maioria das vezes, as pessoas próximas à mulher sabem as condições as quais a vítima vive dentro de casa. Porém, o grande problema é o julgamento que a mulher precisa enfrentar pelo fato de ser uma pessoa que sofre violência e mora com o agressor. Junto com o medo da reação do companheiro, o julgamento torna-se um fator que impede que as vítimas busquem ajuda quando necessário. Além da maioria das pessoas seguir a, já ultrapassada, frase “ em briga de marido e mulher, ninguém mete a colher”.
Esse tipo de crime é cometido com os mais diversos tipos de armas. No entanto, nos casos em que o crime ocorre dentro de casa ou por uma pessoa muito próxima à vítima, o mais comum é que sejam usadas armas de fogo (revólver) e armas brancas (como as facas). Segundo o Ministério da Saúde, em 2017, dos 4.787 óbitos de mulheres por agressão, 2.577 ocorreram por meio de armas de fogo e outros 1.101, por objetos perfurantes.

Como ajudar
Uma mulher que sofre violência precisa ser escutada, precisa de apoio, precisa de uma rede de pessoas que a apoiem na construção de um projeto que contemple uma vida sem violência. E, obviamente, é uma pessoa que precisa de orientação profissional.
Além disso, é importante que medidas protetivas sejam acionadas antes que algo pior aconteça. A Lei Maria da Penha , por exemplo, proíbe a aproximação ou contato do agressor com a vítima e é uma medida que pode ser acionada pela mulher durante a denúncia.
A Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência (180) e outros centros de apoio e ajuda às mulheres também são mecanismos relevantes para orientações sobre onde ir e o que fazer nesses casos. Tudo isso, somado ao bom funcionamento da rede pública, pode barrar casos de violência antes que cheguem ao feminicídio.

A tendência futura não é exatamente de que os casos diminuam, mas sim que eles sejam, cada vez mais, reconhecidos e registrados, graças aos protocolos internacionais, leis, pressão dos movimentos feministas e a intensificação dos debates. Porém, ainda há um longo caminho para ser percorrido a fim de que os casos de feminicídio tenham uma diminuição significativa. É dever do Estado pressionar a área da segurança pública para que efetivamente registrem os assassinatos de mulheres como feminicídios, ao menos os causados pela violência doméstica, familiar e sexual.

É preciso ainda pensar em como destruir a sociedade patriarcal, como construir relações entre os gêneros mais iguais, como conviver a partir da humanidade e não da destruição. Apesar de as legislações e das leis penais (como a Lei Maria da Penha e a lei do feminicídio) serem importantes para que os problemas sociais sejam punidos e reconhecidos, políticas educativas ainda são requisitadas para que a estrutura social e as práticas culturais sejam alteradas.

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